Por Gabriela Schuck de Oliveira
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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Já sabemos que, diariamente, milhares de animais morrem nas rodovias e o quanto é complicado a realização de um monitoramento do problema. Independentemente do método selecionado para contar as fatalidades, esse número nunca vai ser o real, pois há erros de amostragem em qualquer tipo de contagem de fauna atropelada: detecção, remoção e carcaças fora da área.
A falha da detecção do observador em registrar uma carcaça disponível na rodovia e a remoção de carcaças antes de o observador realizar o monitoramento são problemáticas já consideradas por alguns pesquisadores na realização da estimativa de fatalidades. Porém, algumas carcaças nunca estarão disponíveis para serem contabilizadas. Animais, especialmente os de grande porte, podem ficar apenas feridos na colisão e acabar morrendo fora da rodovia. Outros animais, especialmente os voadores como aves e morcegos, são arremessados para fora da pista na colisão.
Entretanto, são poucos os estudos que tentam avaliar o número de carcaças fora das rodovias. Responder à pergunta do título envolve uma pesquisa à parte do monitoramento usual, com diversas dificuldades logísticas. Por exemplo: a maior parte das áreas adjacentes a estradas não é de fácil acesso para a realização de uma contagem de carcaças.
Motivada por essa lacuna de conhecimento, realizei um breve piloto de monitoramento de fauna atropelada na pista (faixas de rodagem e acostamentos) e fora da pista, com objetivo de avaliar a proporção de carcaças em ambos os locais e também de analisar como seria a logística desse campo. Nossas unidades amostrais foram três trechos de diferentes tamanhos da BR-101 sul, que totalizaram um quilômetro de extensão.
Dois observadores a pé monitoraram a pista e a beira da estrada, o que variou de 11 metros a 50 metros de largura. Apenas um lado da beira da rodovia foi considerado, devido à dificuldade de locomoção nessas áreas. Esse piloto teve uma duração de 5 horas 30 minutos e encontramos 14 carcaças, sendo que 43 % estavam fora da rodovia e 57% na pista. Desse total, cinco foram de anfíbios, duas de répteis, uma de vertebrado não identificado, cinco de aves e uma de mamífero. A carcaça mais longe da estrada foi encontrada a 25 metros de distância. Também localizamos objetos provenientes da estrada (como pneus estourados e outros lixos) em até 50 metros de distância da pista.
Apesar de ter sido um desenho amostral simplificado, com o objetivo maior de conhecer a logística desse estudo, acabamos surpresos pelo resultado encontrado. Imaginávamos que o número de carcaças fora da rodovia seria bem menor, no entanto todos os trechos tiverem pelo menos uma carcaça fora da pista. Mesmo encontrando resultados positivos, este estudo foi bem mais difícil e cansativo do que um monitoramento que considera apenas a área da rodovia, pois além de passar o dia todo caminhando em terreno irregular, a detecção das carcaças na vegetação é bem difícil. Uma das alternativas pensadas para a elaboração de um desenho amostral mais eficiente seria a utilização de cães treinados para encontrar carcaças, prática comum em monitoramentos em usinas eólicas.
Para realmente considerar os animais que estão fora da pista na hora da estimativa de quantos animais morrem em uma rodovia (ou ferrovia), é preciso um desenho amostral bem mais detalhado do que esse piloto. E mesmo considerando essa problemática, isso não anularia os outros erros (detecção e remoção) na estimativa final de animais atropelados. E como é um monitoramento à parte da rodovia, também devem ser considerados os erros de remoção e detecção para os animais que estão fora da pista.
Essa é uma lacuna de conhecimento que precisa de investimento nas pesquisas de Ecologia de Estradas. Apesar das dificuldades de um monitoramento fora da rodovia, é importante reconhecer a existência desse erro (e dos outros) na hora das correções de uma estimativa de fatalidade. É fundamental ter em mente que números de registros de carcaças podem ser subestimativas enormes da real mortalidade em rodovias e ferrovias.
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