É possível que aves migratórias não migrem?

Entenda e observe o vai e vem de aves migratórias que você conhece.

Melissa Alves

Médica veterinária formada pela Universidade de São Paulo (USP), ornitóloga e empreendedora. Ajudo amantes da natureza a conhecerem e identificarem as aves por conta própria pelo canto e pela aparência na região onde moram. Exerço atividades como coordenadora e professora do curso de observação de aves Rotina Passarinheira, além de ser guia de observação de aves nos municípios de Itanhandu e Passa Quatro, sul de Minas Gerais. Divulgo conteúdos sobre observação de aves e ornitologia nos meus canais do Instagram, Facebook e YouTube.
Sou apaixonada por aves desde muito pequena. Trabalhei 20 anos como médica veterinária de pequenos animais, inclusive aves e no Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tieté (Cras-PET), em São Paulo (SP), mas hoje minha dedicação é exclusivamente voltada para o conhecimento e educação. Minha trajetória me ensinou que o conhecimento só tem valor se puder ser compartilhado e a minha ferramenta de educação é a observação de aves, pois acredito que passarinhar transforma vidas de pessoas e de aves e ambientes. É por isso que meu lema é #passarinhartransforma.

17 de outubro de 2023

FAUNA NEWS - Aves migratórias que não migram.

Perto de sua casa, certamente há algumas espécies de aves migratórias. Mas talvez você não saiba que nem toda ave que some e reaparece é migratória e, mais complicado ainda, é entender por que aves migratórias permanecem o ano todo em algumas localidades. Como decifrar esse curioso enigma?

O primeiro passo consiste em conhecer e entender o conceito de ave migratória. Para ser considerada migratória, a ave deve cumprir algumas exigências.

O conceito de aves migratórias define que as espécies devem realizar movimentações cíclicas, sazonais e ligadas ao local onde se reproduzem. Isso quer dizer que ao menos uma parte das aves de uma determinada espécie se desloca de um local para outro, todos os anos, na mesma época, que coincide obrigatoriamente com o período de reprodução, sempre nos mesmos locais.

Entenda o movimento de algumas aves migratórias presentes em todo país

Em algumas regiões do Brasil, observadores poderão discordar que os pássaros que apresentarei são migratórios porque podem ser avistados o ano inteiro na mesma localidade, sendo que essas localidades estão mais perto da região norte do país. E isso não acontece por acaso. Eu vou explicar o motivo.

Aves migratórias e aves residentes da mesma espécie

Existe uma categoria de aves migratórias que apresentam dois tipos de população: uma é migratória e a outra é residente. Essas aves são da mesma espécie, mas apresentam diferenças genéticas que as capacitam ou não para migrarem. Essas espécies com dois tipos de população, uma que migra e outra residente, são chamadas de espécies parcialmente migratórias.

Alguns exemplos de pássaros parcialmente migratórios são o suiriri, o bem-te-vi-rajado, a tesourinha e a peitica.

O suiriri

O suiriri (Tyrannus melancholicus) ocorre desde os Estados Unidos até a Argentina e em todo Brasil. Algumas populações de suiriri permanecem nas regiões Sul e Sudeste, que são as áreas de reprodução, apenas durante os meses mais quentes do ano (outubro a março). Quando termina a época de reprodução. essas aves partem para áreas mais quentes (norte do país). No entanto, outras populações de suiriris permanecem na mesma localidade o ano todo, pois nascem e criam seus filhotes em regiões mais perto da linha do Equador, que apresentam temperaturas mais altas o ano todo, menor variação térmica e, portanto, maior disponibilidade de alimentos, como insetos.

Ao contrário do que muitos pensam, as aves não migram para fugir do frio e sim para prosperar (ter filhotes) em áreas que apresentam alimento em abundância. As áreas perto da linha do Equador têm climas mais quentes e menor variação de térmica, portanto, há insetos o ano todo – áreas longe do Equador não teriam alimentos suficiente para nutrir filhotes e adultos das populações migratória e residente de uma espécie durante a fase de reprodução.

Essas populações migratórias e residentes de uma mesma espécie apresentam diferenças significativas na genética, comportamento e aparência. Por esses motivos são consideradas de subespécies diferentes, ou seja, diferentes “raças geográficas”.

O bem-te-vi-rajado

O bem-te-vi rajado (Myiodynastes maculatus) apresenta um comportamento migratório muito parecido com o do suiriri e ampla distribuição no território nacional, mas com período de reprodução da população migratória entre setembro a abril. Em regiões mais ao norte, há populações que não migram e reproduzem-se naquela área.

A tesourinha

A tesourinha (Tyrannus savana) se reproduz na Argentina e no sul do Brasil de setembro a fevereiro e depois voa para o norte em bandos que usam rotas migratórias diferentes. Foi possível conhecer detalhes da migração da espécie graças a um estudo de monitoramento (rastreamento) por geolocalizadores (aparelho que emite sinal de GPS). A migração no outono durou entre sete e 12 semanas e cobriu uma distância de 2.888 a 4.105 quilômetros.

A peitica

A peitica (Empidonomus varius) mostra evidências de atividade reprodutiva na região amazônica e nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul de outubro a fevereiro (WikiAves). Isso, juntamente com os dados de anilhamento, mostra a sua presença durante todo o ano nas regiões Norte e Nordeste do Brasil (Caatinga), que pode estar relacionada ao período chuvoso, quando há maior concentração de indivíduos entre dezembro e junho.

Procure conhecer essas espécies e observar as datas de chegada e partida de cada uma delas na sua região. Vale lembrar que é possível que algumas, ou todas, estejam presentes na sua região o ano todo, mas agora você sabe o porquê. Compartilhe essas informações para que mais pessoas possam entender o vai e vem das aves e se conectem com elas de forma muito intensa.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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Sobre o autor / Melissa Alves

Médica veterinária formada pela Universidade de São Paulo (USP), ornitóloga e empreendedora. Ajudo amantes da natureza a conhecerem e identificarem as aves por conta própria pelo canto e pela aparência na região onde moram. Exerço atividades como coordenadora e professora do curso de observação de aves Rotina Passarinheira, além de ser guia de observação de aves […]