Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
transportes@faunanews.com.br
Não tenho dúvidas que sim. A questão é em que medida nós a praticamos com essa preocupação? Ou dito de outra forma: qual a prevalência desse comportamento entre os milhares de usuários de uma rodovia? Independentemente de estarmos preocupados com o bem-estar e/ou conservação da fauna ou com a segurança dos usuários e a minimização das perdas econômicas, é evidente que a direção defensiva, caracterizada por um aumento da atenção e redução da velocidade, precisa ser promovida. Não é um comportamento inato; precisa ser aprendido e praticado.
Entre as dezenas de estratégias para a redução das colisões entre veículos-animais, há um conjunto amplo de ações voltadas a mudar o comportamento dos motoristas e promover uma direção mais atenta. Nesse grupo, incluem-se a sinalização horizontal e vertical (as placas são um exemplo), os redutores e controladores de velocidade, os detectores de presença de animais associados a avisos luminosos, os detectores de presença de fauna embarcados nos veículos (câmeras RGB + termais) e outras tantas estratégias já tratadas em alguns de nossos artigos.
Nas últimas duas semanas, surgiram duas novas alternativas no Brasil. A primeira delas é uma forma simples e simpática de sinalização horizontal, voltada a alertar a ocorrência de travessias de animais em um determinado local. Trata-se de uma faixa de travessia (como as faixas de pedestres) com pegadas pintadas, uma medida estática, análoga à sinalização vertical, como placas do veado e suas variantes, e que provavelmente tem a mesma efetividade delas: nula ou pequena e temporária.
Esse tipo de estrutura rapidamente se “integra” à paisagem e os usuários recorrentes daquele trecho de estrada deixam de percebê-la. É o que informam alguns poucos estudos que avaliaram a efetividade das placas para o aumento da atenção dos condutores e/ou redução da velocidade. Desconheço qualquer estudo que tenha avaliado o efeito das placas na redução das colisões com a fauna.
A segunda estratégia, o U-Safe, é mais complexa e inovadora. Diferentemente das placas de sinalização, às quais todo usuário da rodovia é exposto, somente os usuários do serviço do aplicativo de celular recebem um alerta sonoro e visual quando trafegam por uma zona identificada como de risco para colisões com animais. O sistema de alerta não é estático, como as placas, pois as zonas de risco são continuamente atualizadas com base em algoritmos que utilizam uma base de dados alimentada por ciência cidadã, o Sistema Urubu. Tanto a sinalização horizontal e vertical como os pontos de alerta do U-Safe são baseados na identificação de segmentos de rodovia como maior risco de colisões com base no histórico de fauna atropelada naquele local (ou, no caso do U-safe, também nos registros de acidentes com fauna na base de dados da Polícia Rodoviária Federal), ou seja, em eventos do passado.
Para ambas as estratégias (sinalização e U-safe) serem efetivas, é preciso que o motorista aumente a sua atenção e/ou reduza a velocidade não com base no que está acontecendo, mas no que tem alguma probabilidade de acontecer em função do que se sabe do passado. Embora a probabilidade de ocorrer uma colisão em um segmento da estrada possa ser muito maior do que em outro, a probabilidade de uma colisão acontecer com um determinado motorista, entre os poucos ou muitos usuários do serviço do aplicativo naquele segmento, é bem pequena, mesmo que ele trafegue várias vezes esse mesmo trecho de maior risco. Ou seja, é provável que com o tempo aquele alerta do aplicativo, assim como acontece com as placas, perca o significado para esse motorista.
É diferente do que acontece, por exemplo, com sistemas de detecção de fauna na pista, que acionam avisos luminosos somente quando realmente tem um risco de colisão no segmento de rodovia adiante, ou seja, um animal atravessando a estrada naquele momento.
Seguramente, essas duas novidades, a sinalização horizontal e o U-Safe, não substituem estratégias implantadas para evitar o acesso dos animais à estrada. Contudo, poderão ser estratégias complementares, eventualmente. Para isso, no entanto, assim como para toda ação de conservação, será fundamental avaliar a efetividade delas para o fim proposto.
Será fantástico, e espero que não demore muito, termos acesso a estudos que verificaram o nível de aumento do comportamento de direção defensiva e, sobretudo, de redução de colisões veículos-animais e seus benefícios desejados para os usuários e fauna advindos dessas duas novidades. Retomando o que afirmei no início: não tenho dúvidas de que a direção defensiva, em teoria, pode funcionar como mitigação de colisões com animais. Mas o que importa é se ela é de fato promovida e praticada com essas novas estratégias. E com relação a isso, sou bastante cético e vou adorar ver as evidências.
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