Por Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
A constante destruição de ninhos é mais uma bomba armada por traficantes de ovos e filhotes de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) contra a espécie. Não bastasse a retirada massiva desses animais todos os anos de seu ecossistema, levando ao envelhecimento da população, a ação dos criminosos que arrebentam as árvores usadas pelos papagaios no período reprodutivo é mais um elemento que pode levar a extinção dessas aves em algumas regiões.
De acordo com a pesquisadora e coordenadora do Projeto Papagaio-verdadeiro, Gláucia Seixas, cerca de 85% dos ninhos que monitora no Cerrado e Mata Atlântida do Mato Grosso do Sul foram arrombados pelos traficantes nesta temporada e em anos anteriores. “Desde 2016, estou avaliando o impacto do tráfico de filhotes e a perda de ninhos dos papagaios-verdadeiros nestas regiões do Estado e posso garantir que a situação está cada ano mais crítica para essas aves.”
Pelo fato de os papagaios-verdadeiros estarem em pleno período reprodutivo, o tráfico de ovos e filhotes está intenso. Apreensões estão acontecendo, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Por outro lado, no Mato Grosso do Sul, uma das principais regiões onde traficantes de fauna coletam as aves, os órgãos de fiscalização ainda não conseguiram interceptar nenhum carregamento desses animais ou deter pessoas atacando os ninhos.
“Os traficantes, principalmente de São Paulo, contam com a ajuda de moradores para obter informações quando estamos em operação”, disse o tenente-coronel Ednilson Paulino Queiroz, do Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul. Ele afirmou que a polícia está monitorando os traficantes de fauna mais conhecidos da região e “eles estão quietos”.
A primeira grande apreensão do ano foi registrada em 21 de setembro, em Pongaí, no interior paulista. A PM Rodoviária deteve dois homens que, em um pequeno Uno, transportavam 160 filhotes de papagaio-verdadeiro e um de arara-vermelha (Ara chloropterus) de Ivinhema (MS) com destino à capital paulista. Assim como os papagaios, as araras estão em período reprodutivo, sendo também alvo dos traficantes.
Em duas reportagens, o Fauna News noticiou o início da temporada de tráfico de papagaios e de araras no Brasil.
Uma das piores consequências dos ataques dos traficantes para os papagaios-verdadeiros do Mato Grosso do Sul tem sido a destruição das árvores usadas como ninhos. Entre as características do comportamento reprodutivo dessa espécie está o fato de os animais procurarem sempre as mesmas árvores para, no ocos dos troncos, botarem e chocarem ovos, além de cuidarem dos filhotes por aproximadamente dois meses. Nas áreas de Cerrado e Mata Atlântica do Estado, as bocaiúvas e os jerivás, palmeiras típicas desses biomas localizadas na divisa com os territórios paulistas e paranaenses, têm sido utilizados pelas aves.
Para conseguir alcançar ovos e filhotes que ficam no fundo dos ocos das palmeiras, os traficantes arrebentam as paredes dos troncos. As árvores acabam muito danificadas ou até inutilizadas para reprodução dos papagaios, quando não acabam no chão, derrubadas pelos traficantes. No ano seguinte, quando as aves voltarem e procurarem exatamente a bocaiúva ou o jerivá, que já utilizaram, não o encontrarão.
Gláucia afirma que, ao não encontrarem a árvore que costumavam usar como ninho, os papagaios até procuram outra, mas as opções estão diminuindo cada vez mais, o que leva, inclusive, a haver disputas entre os casais. A destruição dessas palmeiras, por exemplo, acontece todos os anos, há muitos anos, pelos traficantes e também por outras ações humanas. É o caso da transformação das áreas de pecuária, que ainda mantém algumas árvores esparsas para fazer sombra para o gado, em campos para a agricultura mecanizada, que retira todas as árvores para o cultivo das espécies comerciais..
O Projeto Papagaio-verdadeiro, hoje executado pelo Parque das Aves em parceria com a Fundação Neotrópica do Brasil e o apoio de diferentes parceiros, foi criado por Gláucia em 1997 exatamente por causa da grande pressão do tráfico de filhotes sobre a espécie no Mato Grosso do Sul. Ou seja, há décadas árvores que servem de ninho têm sido destruídas. “O problema é que cada vez mais tem menos cavidades para eles”, explica a ambientalista.
Gláucia afirma que a combinação da retirada de filhotes constante, que tem ocasionado um envelhecimento da população dos papagaios-verdadeiros, com a destruição dos ninhos pode levar a extinções locais da espécie. “É uma bomba!”
https://youtu.be/Hg90tKL4PR0
https://youtu.be/H8Jy3e5guFk
Os papagaios-verdadeiros estão classificados na categoria “espécie quase ameaçada” na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção e pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês).
Apreensões recentes
Após a apreensão de 21 de setembro, outras quatro grandes ocorrências envolvendo filhotes de papagaios foram registradas no Brasil.
Em 23 de setembro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) deteve dois homens e uma mulher que transportavam 300 aves em uma SUV. No carregamento, interceptado na altura do km 66 da Freeway, em Gravataí (RS), da havia 35 filhotes de papagaios-verdadeiros e três de araras-canindé (Ara ararauna). O trio, que já tem passagens pelo mesmo crime, afirmou estar levando os animais de São Paulo para serem vendidos na Região Metropolitana de Porto Alegre. A região origem das aves não foi informada, mas não se descarta a hipótese delas terem sido capturadas no Mato Grosso do Sul, onde traficantes paulistas agem intensamente.
Em Muriaé (MG), dois homens foram detidos pela PRF em 7 de outubro. Eles foram abordados na altura do km 707 da BR-116 e no Corsa onde estavam havia 76 filhotes de papagaios-verdadeiros e 119 filhotes de jabutis-piranga e dois cágados-tigre. O motorista do veículo já foi surpreendido outras duas vezes este ano traficando jabutis – em uma das ocorrências, foram apreendidos com ele 1.459 desses répteis.
https://youtu.be/KDBfwwF92Ow
No domingo, 18 de outubro, na rodovia Adalberto Panzan (SPI-102/330), em Campinas (SP), a Polícia Militar Rodoviária deteve dois homens que transportavam 165 papagaios e uma arara-vermelha dentro de caixas de madeira. As aves , capturadas no Mato Grosso do Sul, foram levadas para atendimento no Centro de Reabilitação de animais Silvestres (Cras) da Associação Mata Ciliar, em Jundiaí, e a dupla solta após o registro da ocorrência na 2ª Delegacia Seccional de Campinas.
Os envolvidos são os mesmos dois homens que foram detidos com papagaios do Mato Grosso do Sul na primeira grande apreensão desta temporada de tráfico de filhotes, registrada em 21 de setembro.
A mais recente apreensão aconteceu segunda-feira, 19 de outubro, em Pernambuco. Dois homens foram detidos no município de Custódia com 149 aves, sendo 63 papagaios-verdadeiros. A Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) informou que policiais militares surpreenderam a dupla transportando as aves, coletadas no Cerrado do Piauí, para a cidade de Belo Jardim, onde seriam vendidas em uma feira.
Os dois homens já foram detidos outras vezes pelo mesmo crime. Os animais estão no Centro de Triagem de Animais Silvestres Tangará, em Recife.
Ajude o Projeto Papagaio-verdadeiro
O trabalho capitaneado por Glaucia Seixas está entre os mais respeitados projetos de conservação de espécies da fauna nativa brasileira em atividade no país, a várias décadas. Ele depende de parceiros e doações para produzir informações científicas sobre a espécie que auxiliam na sua conservação e do seu habitat. Desde que iniciou o projeto, o projeto busca mapear o tráfico de papagaios e sensibilizar a sociedade sobre os danos da retirada de animais da natureza e a importância da conservação da espécie.
É possível ajudar o Projeto Papagaio-verdadeiro de várias formas, incluindo doações financeiras ou de equipamentos (novos ou em bom estado), ou mesmo se voluntariando para algum serviço remoto.
– Para doações via PagSeguro
– Para outras forma de auxílio, entre em contato com Glaucia: projetopapagaioverdadeiro@gmail.com ou por mensagem para (67) 99252 8866.