Desafios para as ações de soltura e reintrodução no século 21

Temos abordado nesta coluna todos os desafios técnicos para a realização de uma soltura ou reintrodução, bem-sucedida, para animais silvestres. Todos os possíveis protocolos, todos os cuidados sanitários, comportamentais e ecológicos, enfim todas as precauções que possam ser tomadas para que os animais tenham maiores chances de sobreviver e ter sucesso em pelo menos uma temporada reprodutiva.

Mas a realidade que os animais silvestres enfrentam diariamente é cada vez mais desafiadora: atropelamentos, mudança climática, destruição de hábitats, predação por animais domésticos errantes, predação por animais exóticos como o javaporco e, até mesmo, a pura e simples maldade em destruir algo que escapa ao que é considerado “normal” em termos de modo de vida humano. Como se não bastassem esses desafios, este artigo apresenta mais um desafio: o das concessionárias de fornecimento de energia elétrica.

Silvestres corram que a motosserra vem ai!

Com as recentes inundações e tempestades violentas que estamos vivenciando nos meses de verão, em nosso país – e até mesmo nos países vizinhos – virou lugar comum ter o fornecimento de energia elétrica interrompido, por horas, dias e até mesmo semanas. E, claro, sendo os casos mais dramáticos em regiões de periferia na capital ou em pequenas cidades do interior paulista, caso exato de onde está localizada minha área de soltura.

Na minha pequena cidade, menos de 10 mil habitantes, ainda temos cerca de 50% de cobertura vegetal, quando a média no estado de São Paulo inteiro é de 20% e em alguns municípios paulistas de apenas 3%. Motivo de orgulho para minha cidade, certo?

Mais ou menos…

A empresa concessionária responsável pela distribuição de eletricidade não fazia manutenção na rede desde 2016. Recentemente, ela “decidiu”, mediante as reiteradas reclamações dos moradores por interrupção de fornecimento de energia, tirar o atraso. Como? Reformando a rede, ampliando o número de funcionários na manutenção? Nada disso! A solução encontrada foi a contratação de empresas terceirizadas, prestadoras de serviços gerais para a realização de podas de vegetação, porque, claro, a culpa da má qualidade na prestação de serviços é da vegetação!

A interpretação do cenário pela concessionária de fornecimento de energia é de que as plantas, maquiavelicamente “conspiram” para a interrupção do fornecimento de energia. Após a decisão tomada, imediatamente materializam-se veículos de prestadores de serviço realizando o que eles chamam de poda, mas que os cidadãos comuns identificam como um descarado ato de remoção de vegetação, pura e simplesmente. Vejamos então, um caso concreto.

Muito mais que uma poda

Estando em minha propriedade, ouço palmas e escuto um chamado. Um jovem muito educado me pergunta se autorizo a “poda” da vegetação. Explico que minha área é de preservação, percorro com ele a propriedade na parte que dá para a estrada, onde está a rede elétrica, mostrando a vegetação preservada, os ninhos de aves raras, explicando que fazia ações de soltura, enfim, demonstrando que a “poda” como estava sendo feita nas outras propriedades vizinhas era violenta, com destruição de vegetação, causando profundo impacto ecológico.

O encarregado então me informa que caso eu não concordasse com o serviço, a concessionária iria me multar em R$ 10 mil. Calmamente peço para ver os documentos de licença ambiental para a execução do serviço. “Então”, me responde o rapaz, “estão com o supervisor.” Peço para falar com o supervisor. “Olha, o supervisor foi atender um funcionário que passou mal e já volta para falar com a senhora”. Estou esperando a visita do tal supervisor até hoje.

Um animal pode passar mais de um ano em reabilitação para soltura. Mas como podemos preparar um animal para sobreviver a ataques por todos os lados? Porque a presença ninhos de avifauna ou de insetos não interessa quando se liga a motosserra. Os animais são simplesmente descartados como lixo, junto com a vegetação nativa decepada que fica apodrecendo na margem da rodovia – um tremendo símbolo de desperdício e descaso com um bem que é de todos. Meio ambiente equilibrado e resiliente é necessário a vida de todos, em especial a nossa, pois tudo o que temos vem do nosso mau tratado meio ambiente.

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