Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
São diversas as situações em que recebemos os animais silvestres no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO): pássaro dentro de bolsa, gambá dentro de capacete, jiboia em sacola plástica, filhotes de tucano-toco entregues por mototáxi em sacola de presente, enfim…
Apesar de tantas situações inusitadas, ainda conseguiram nos surpreender. Recebemos uma entrega voluntária de sete ovos que estavam na carga de feno de uma loja agropecuária, segundo o responsável pelo encaminhamento. Fomos então registrar a entrada e identificar a espécie, mas nem sabemos de quem são! Veio a pergunta a seguir: qual animal colocaria seus ovos num galpão contendo feno?
As corujas suindaras!
Após a mobilização de toda a equipe para conseguir uma chocadeira, montamos nosso ovoscópio com a lanterna do celular e um rolo de esparadrapo (criatividade é fundamental) para avaliar os sete ovos. Com o auxílio de profissionais experientes na criação e manejo de aves de rapina, analisamos os ovos, que aparentemente estavam normais e saudáveis.
Alguns dias depois, ao chegarmos pela manhã e verificar a chocadeira, veio a surpresa: o ovo 1 eclodiu. Em seguida o 6, o 5 e, dias depois, o 4, o 3 e por último o 2. Estamos aguardando o 7. Relatos apontaram normalidade na diferença de eclosão entre o primeiro e último ovo. Como recomendação, os filhotes permanecem em jejum 24 horas após o nascimento, para iniciar a alimentação com pequenos pedaços de presas abatidas, umidificadas com soro fisiológico.
Acompanhar um indivíduo em cativeiro desde o seu nascimento é uma oportunidade ímpar de conhecimento. Compreender as ações e reações, as interações sociais e os comportamentos característicos dos indivíduos contribui de forma considerável no manejo. E assim estamos fazendo, evitando ao máximo o contato e o possível imprinting com os filhotes. Vamos definir aqui o imprinting como o período inicial de desenvolvimento em que as interações das influências genéticas e ambientais modificam o comportamento animal. Podemos abordar esse assunto num outro artigo.
Como nosso objetivo é reintroduzir esses espécimes na natureza e até chegarmos nesse processo leva-se algumas semanas, estamos confeccionando um fantoche com carinha de suindara, que será utilizado principalmente no momento da alimentação (até que se tornem independentes). Por enquanto, ainda estão com os olhos fechados, mas estamos confiantes que nossa experiência será satisfatória. Aliás, já está sendo.
A nossa rotina de pesar, marcar, fotografar e alimentar é registrada diariamente em fichas específicas, onde as informações são extremamente importantes e auxiliam no manejo de outros espécimes do Cetas e de instituições autorizadas de manejo de fauna silvestre.
É muito satisfatório aprender com outros profissionais e compartilhar nosso conhecimento com os estudantes que participam do Programa EcoVoluntário. As experiencias práticas de manejo e as atividades no campo cativam os estudantes, em especial do curso de biologia. Além disso, receber os animais da comunidade é gratificante, pela troca de conhecimento e pela vivência durante o recebimento e registro do animal.
Temos grandes desafios pela frente: realizar a manutenção dos filhotes com sucesso, manter o biotério abastecido, considerando a grande quantidade de alimento que vamos precisar, evitar qualquer tipo de imprinting com os filhotes e devolvê-los à natureza após a aprovação do projeto de reintrodução. Espero compartilhar com você boas notícias sobre esses filhotes em breve!
Para saber mais sobre a suindara, leia o artigo da coluna OLHA O BICHO!, escrito pela Luciana Ribeiro, onde são abordados aspectos relacionados às características, à distribuição geográfica, à morfologia, à ecologia e à reprodução dessas aves.
– Leia outros artigos da coluna UNIVERSO CETRAS
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