Por Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Achar que a criação e o comércio legalizados de animais silvestres como bichos de estimação vai reduzir o tráfico de fauna no Brasil é um grande equívoco. E o poder público insiste no erro.
“Multas no valor total de R$ 453 mil foram aplicadas, pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), a um homem de 43 anos e a uma mulher de 38, que transportavam, ilegalmente, 151 pássaros silvestres, de Arcoverde, no Sertão de Pernambuco, para Caruaru, no Agreste. Cada um dos infratores foi multado em R$ 226,5 mil.
De acordo com o gerente da Unidade de Gestão de Fauna Silvestre da CPRH, Iran Vasconcelos, o casal foi enquadrado no artigo 29 da lei 9.605/98, de Crimes Ambientais, e responderá administrativamente e criminalmente pelo ato. O órgão estadual de meio ambiente tomou conhecimento do caso após ser acionada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), no último sábado (04). Além de identificar que o veículo estava irregular, os policiais encontraram os pássaros e, então, acionaram a CPRH. O casal transportava 100 galos-de-campina, 23 papa-capins, 12 tico-ticos, dez garibaldis, quatro patativas, um sabiá e um concriz.
“Os pássaros estavam aglomerados em pequenos espaços. Muitos deles estão visivelmente com a saúde comprometida, pelos maus-tratos sofridos. Podem nem sobreviver. Nós aproveitamos para fazer um apelo à população: ajudem no combate do tráfico de animais silvestres. Não comprem animais que não sejam legalizados”, enfatizou a analista ambiental e chefe do setor de Fiscalização da Fauna Silvestre da CPRH, Joice Brito. Os pássaros foram levados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas Tangara) da CPRH, onde ficarão sob cuidados, até terem condições de retornar à natureza.” – texto do post publicado pelo CPRH em sua página no Facebook em 6 de julho de 2020
A ação da Polícia Rodoviária Federal, que surpreendeu o casal transportando de carro as aves na altura do km 145 da BR-232, foi perfeita. A repressão tem que ser feita.
Mas chamo a atenção para a declaração da chefe de Fiscalização da CPRH, Joice Brito:
“Nós aproveitamos para fazer um apelo à população: ajudem no combate do tráfico de animais silvestres. Não comprem animais que não sejam legalizados”.
Está errado! A declaração tem de ser: não comprem animais silvestres!
O tráfico de fauna no Brasil é, essencialmente, voltado para abastecer o mercado interno de bichos de estimação. Ou seja, é o próprio brasileiro que incentiva a captura de animais na natureza.
O hábito de criar animais silvestres como pets é antigo. Atualmente, a Lei nº 5.197, de 1967, ainda garante a atuação e criadores comerciais autorizados pelos Estado. Com base em um costume e na legislação, parte do poder público e dos comerciantes afirma que o comércio criminoso de fauna silvestre (tráfico) diminuiria se a população tivesse acesso a animais silvestres reproduzidos e criados legalmente.
Mas o que não se explica é:
– as espécies de animais silvestres nativos do Brasil reproduzidas e comercializadas legalmente no país são as mesmas que estão entre as mais traficadas;
– o comércio legalizado de fauna silvestre para o mercado pet existe desde 1967 e, passados mais de 50 anos, o tráfico de animais ainda acontece e está extremamente ativo;
– culturalmente, o fato de existir a criação legalizada é um aceno por parte do poder público de que não há problemas na vida em cativeiro de animais silvestres. Ou seja, a população vai continuar procurando o tráfico para comprar um silvestre-pet;
– o poder público não tem infraestrutura para fiscalizar as criações comercial e amadora, o que permite aos traficantes agirem com bastante facilidade;
– tanto traficantes quanto criadores domésticos ilegais de animais silvestres (quem compra) não são punidos pela legislação brasileira, que é muito fraca;
– animais silvestres não passaram pelo processo de domesticação, portanto sofrem quando criados em cativeiro – independentemente da qualidade desse cativeiro;
– a grade maioria das pessoas que cria silvestres como bichos de estimação não oferece dieta balanceada aos animais tampouco os levam a veterinários;
– a criação amadora de pássaros, que não envolveria o comércio, está bastante corrompida e envolvida com o tráfico de fauna. Aves são retiradas da natureza, anilhadas fraudulentamente e vendidas entre os criadores e outros interessados; e
– a rede de centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres, que recebem animais do tráfico e entregues por pessoas arrependidas de tê-los comprado, é pequena e insuficiente para atender a demanda. A situação torna-se ainda mais estranha se formos pensar que o Estado incentiva uma atividade que lhe causará gastos quando esses animais forem retirados da população.
Agora, alguém pode me explicar o motivo para que o Estado brasileiro ainda defenda a reprodução e o comércio legalizados de animais silvestres como bichos de estimação? A pergunta não está direcionada somente a Pernambuco, pois essa visa equivocada ainda existe vários setores da gestão de fauna do país.