Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena (SP)
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O cotidiano dos centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras) é marcado pela ocorrência frequente de entrada de animais mais ou menos nas mesmas condições. Quase sempre feridos, desnutridos ou que estavam sendo mantidos em condições inadequadas de cativeiro. Cabem aos Cetras tentar reestabelecer o equilíbrio da vida e do bem-estar desses espécimes. Contudo, essa “homogeneidade” de situações é quebrada por ocorrências que fogem muito do normal, em que as ações e materiais disponíveis de tratamento e reabilitação podem não ter a mesma eficácia e nas quais é necessário pesar todos os “ingredientes” e tomar decisões o mais rápido possível.
Para ilustrar e exemplificar isso, passo a um breve relato sobre a recepção, no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama em Lorena (SP), de um espécime de veado-mateiro (Mazama americana). Em 5 de janeiro deste ano, recebemos uma ligação da prefeitura de Itatiaia (RJ) dando conta que havia um cervo daquela espécie que necessitaria ser entregue para um centro.
O próprio grupo desses animais, os cervos, já é implicitamente complicado na relação que começa com o resgate, contenção e posterior destinação. Raramente entram nos Cetras por cativeiro ilegal. Na maioria das vezes, são aqueles típicos representantes das vítimas dos conflitos relacionados à presença humana. E esse espécime não era diferente. O pouco de informação que conseguimos dava conta que o animal havia sido resgatado em ambiente urbano naquela cidade e que tinha sido encaminhado a uma clínica veterinária local. Posteriormente, foi levado Cetas do Ibama.
No momento da entrega, nos deparamos com veado-mateiro macho jovem. Estava sedado em uma jaula.
Uma informação importante sobre os cervos: pela sua característica evolutiva, são animais herbívoros, que são alvos de caça por grandes predadores. Isso em uma situação natural. Ocorre que a captura desses animais por nós seres humanos, quando feita de maneira incorreta, pode acarretar uma síndrome conhecida por ”miopatia de captura”, que, basicamente, é uma resposta fisiológica que leva risco de vida ao animal que passou por estresse envolvido durante esse processo de contenção, manejo e transporte.
Esse é dos maiores problemas envolvidos no manejo desses animais. É importante ter o máximo de informações sobre as condições em que um veado-mateiro foi capturado e transportado até o centro de triagem, para saber se houve estresse excessivo nesse processo.
Aí enfrentamos o primeiro problema. Nos Cetras, raramente temos as informações pregressas acerca de um animal. No caso do cervo, até que os colegas da prefeitura de Itatiaia nos passaram uma boa quantidade de dados. Informaram que o animal foi resgatado e levado para tratamento prévio em uma clínica veterinária. Ele chegou sedado diretamente dessa clínica e o processo de resgate e entrega no Cetas do Ibama durou aproximadamente 24 horas.
O cervo tinha um ferimento no pescoço, contudo não era grave e poderia ter sido advindo de ataque de cães ou ter sido causado pela própria contenção. Não sabíamos.
Diante desse quadro, o que fazer? Tínhamos um animal sedado, em boas condições físicas, contudo sem sabermos o grau de danos que o estresse já havia causado.
Também não tínhamos disponível no Cetas do Ibama de Lorena um recinto totalmente adequado a esse espécime. Mas contávamos com parceiros que poderiam recebê-lo de maneira emergencial para acomodá-lo em um recinto melhor. Além disso, caso o animal se recuperasse, poderia ser solto, já que se tratava da estrutura de uma Área de Soltura registrada e em ambiente adequado para a devolução à natureza.
A decisão foi rápida. Levamos o animal para essa Área de Soltura imediatamente.
Aproveitamos a sedação do animal, que estava passando, e o colocamos em uma caixa de transporte que foi coberta para evitar ao máximo o estresse no trajeto. Já na baia de manutenção, a caixa foi deixada aberta dentro de modo que o animal saísse quando se sentisse melhor e mais seguro.
A caixa de transporte não foi retirada para evitar assustar o animal. Ele ficou da chegada até o dia da soltura na mesma baia.
Temos, nesse caso, um exemplo típico do que acontece no universo Cetras. O processo começa fora dos centros, com pessoas e instituições abnegadas e interessadas no bem-estar dos animais que fizeram, tenho certeza, o melhor para o espécime. O meio do processo ocorre nos Cetras, que têm suas condições e limitações. Mas não termina neles. Temos o terceiro estágio, o parceiro, a área de soltura ou o empreendimento de fauna legalizado que presta apoio ao processo e aos animais.
Acreditamos que tomamos a (rápida) melhor opção de ação. Sinceramente, espero termos ótimas notícias desse animal, que já foi solto e retornou a natureza.
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