De caçador a protetor. A mudança é possível

Neste mês de junho, a Área de Soltura Monitorada (ASM) Cambaquara, em Ilhabela (SP), comemora nove anos inscrita junto à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (Semil). A data nos traz recordações de como tudo começou e de pessoas que nos ajudaram antes de pensarmos em ser uma instituição de reabilitação e soltura de aves.

Nesse período anterior, tínhamos um ajudante que se chamava Édson dos Santos Lima, baiano da cidade de Valente, conhecida pelo sisal e pelas pedreiras. Uma região pobre, inserida no clima semiárido. Sua família vivia na roça, criava galinhas e cabras, plantava milho, mandioca e feijão.

Édson conhecia cada pedacinho da região e, como todo menino, tinha o seu estilingue, badoque ou baleira (cada região traz um nome diferente). Além de gostar de jogar futebol, ele e seus amigos saiam para caçar passarinhos. Mas não era um ou dois não…

“A gente matava em torno de 30 passarinhos por dia! Até beija-flor a gente comia!”, contava ele, explicando que não era por fome, mas porque era costume do local. Conhecia inúmeras técnicas de captura de aves, desde cola da planta até molhá-los para que ficassem impossibilitados de voar. Ter uma espingarda em casa e sair para caçar, assim como pegar tatus e lagartos era muito comum, tanto para comer quanto para vender no mercado da cidade. “Passarinho em gaiola tem praticamente em todas as casas, pelo menos uns quatro”, afirmava ele com tristeza.

Assim, como o destino de muitos daquela região, ele veio para Ilhabela em busca de uma vida melhor, como cortador de pedra. Veio trabalhar no nosso sítio como ajudante de serviços gerais: cuidava do jardim, da piscina, da mangueira da água que vem da cachoeira e realizava pequenos reparos.

Em 2008, caiu um periquito-verde (Brotogeris tirica) com a asa quebrada na nossa propriedade. Édson me ensinou a cuidá-lo. O periquito, a Pepa, acabou vivendo em semiliberdade e formou par com outro periquito de vida livre. Em março de 2012, um papagaio-moleiro (Amazona farinosa) ficou três dias em cima de uma embaúba, fugido de algum cativeiro irregular. O Édson conseguiu capturá-lo e cuidamos dele.

O conhecimento do Édson sobre aves era grande; uma sabedoria aprendida na “escola da vida”. Seus ouvidos identificavam sons e seus olhos viam coisas que, para uma leiga como eu, passavam totalmente despercebidas. Ensinou-me muito, sendo meu primeiro mestre em ornitologia. “Você quer ver um ninho de beija-flor?”, dizia-me ele. “Claro!”, respondia. Ele então me levava a um local onde eu passava diariamente e lá estava, a um metro e meio do chão e eu nunca tinha me dado conta.

Um novo protetor das aves
Ao mesmo tempo, Édson me deu a chance de eu ensinar para ele a importância de conservar as espécies e de cuidar do meio ambiente para manter nossa própria qualidade de vida. Felizmente deu certo: o vi várias vezes dizendo às pessoas para não caçar ou não manter animais em cativeiro, pois isso ia contra a natureza deles de serem livres. Virou nosso aliado na causa, que ainda estava longe de se tornar uma área de soltura de fauna silvestre.

Alguns anos atrás, encontrei com outro cortador de pedra no bairro, conhecido nosso que sempre teve pássaros em gaiola aqui em Ilhabela. Ele me fez um relato: “Silvana, depois que eu passei três dias preso por causa de pensão alimentícia, eu percebi que a falta de liberdade é tão ruim que eu nunca mais quero ter passarinho preso!”

Às vezes, perdemos as esperanças, principalmente em mudanças de condutas dos adultos. Mas quando ouvimos histórias como essas, voltamos a acreditar que a transformação é possível.

Édson formou família e depois de sete anos conosco, em 2012, realizou o sonho de voltar para a sua terra.

Ele não chegou a ver oficializada a nossa área de soltura em 2014, nem quantas aves já reabilitamos e soltamos, mas nos falamos por telefone até hoje. Ele acompanha nosso trabalho de longe.

Agradeço-lhe, Édson, por tudo que aprendi com você!

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