Por Mariane Rodrigues Biz Silva
Bióloga, especialista em Sustentabilidade e mestra em Ecologia. É sócia-diretora na ProHabitat Assessoria Ambiental, organizadora do AeroFauna (encontro sobre Risco de Fauna no Brasil) e integrante da Diretoria Nacional da REET Brasil
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Vizinhos são bem conhecidos por causarem dores de cabeça para todo mundo, não é mesmo? No caso de aeroportos, por exemplo, é fácil imaginar o quanto deve ser desagradável morar perto de um e ouvir o barulho das aeronaves todos os dias. Nesse caso, o incômodo é acompanhado por vários estudos, legislação/regulamentos e muita reclamação dos vizinhos. Porém, será que as pessoas sabem o quanto a vizinhança pode atrapalhar a aviação ao ponto de colaborar com acidentes aeronáuticos?
Bom, primeiramente vamos explicar como tudo começou. Desde a Grécia Antiga, nós olhávamos para as aves e sentíamos inveja delas no céu. Para copiá-las, diversos pesquisadores e engenheiros do mundo todo gastaram horas em projetos, até que no início do século XX, o nosso Santos Dumont levantou voo. Entretanto, logo em seguida, em 1905, descobrimos que encontros desagradáveis (colisões) entre as aeronaves e as admiradas voadoras seriam recorrentes e até desencadeadores de acidentes aeronáuticos por danificarem estruturas e a estabilidade dos equipamentos.
Com o passar do tempo e a consolidação do setor aéreo como um importante modal de transporte, diversos profissionais começaram a estudar as colisões e como reduzi-las para manter os níveis aceitáveis de segurança de voo e o bem-estar da fauna. Assim, o conhecimento das espécies de maior risco, a identificação do que as atraem e o reconhecimento dos locais com maior número de colisões deixaram claro que o problema está muito além dos limites dos aeroportos.
Sem dúvidas, as áreas gramadas dentro dos sítios aeroportuários são um grande atrativo para a fauna. Entretanto, as aeronaves não ficam apenas no aeroporto, assim como os animais que são atraídos por inúmeros recursos presentes nas complexas paisagens ao redor. Além disso, diversas espécies nocivas à aviação são provenientes de populações que estão em crescimento por conta das mudanças de uso do solo provocadas pelo homem, sendo o urubu-de-cabeça-preta apontado como o grande vilão.
Pensando nisso, em 2012 foi publicada a Lei Federal nº 12.725. Esse documento estabeleceu um raio de 20 quilômetros em torno dos aeroportos como sendo a chamada de Área de Segurança Aeroportuária (onde ocorrem mais de 90% das colisões). Nesse perímetro, o uso do solo é restrito e condicionado ao cumprimento de normativas específicas de segurança da aviação e ambientais, não podendo ser atrativos de fauna que comprometa os voos, especialmente os carniceiros.
Os locais que atraem os animais (focos atrativos) foram definidos como vazadouros de resíduos sólidos e quaisquer outras atividades que sirvam de atração relevante de animais nocivos à aviação. Sendo os de maior preocupação: lixões, abatedouros, atividades agropecuárias, aterros, estações de transbordo de resíduos sólidos, estações de tratamento de esgoto/água, feiras livres, áreas de despejo irregular de resíduos e indústria de processamento de alimentos.
Para contornar esse conflito, os aeroportos, além de monitorarem os seus entornos, devem estar em constante conversa com a vizinhança: autoridades públicas, empreendimentos privados, associações de moradores e outras organizações da sociedade civil. Porém, o diálogo nem sempre é fácil – as pessoas, no geral, não estão cientes do papel delas – e esbarramos em outro problema nacional, carente de políticas públicas e de consciência coletiva: a gestão de resíduos sólidos. A boa notícia é que, mesmo que lentamente, estamos progredindo. Nos últimos dez anos, o Brasil deu passos importantes na relevância da “boa vizinhança” e estamos seguindo para uma aviação cada vez mais segura e mais responsável com o bem-estar dos animais.
E se você é vizinho de um aeroporto, lembre-se de colaborar com a segurança de voo, da fauna e a sua: cuidado para não criar focos atrativos de animais nocivos à aviação e, se identificar alguma irregularidade, entre em contato com a prefeitura ou com o administrador aeroportuário mais próximo.
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