Crise climática e estratégias de adaptação para rodovias no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma série de eventos climáticos extremos, comprovando que a crise climática não é mais uma ameaça distante, mas uma realidade presente. O que não falta são exemplos: secas devastadoras, incêndios florestais no Pantanal e Amazônia, inundações em cidades no Rio de Janeiro, litoral de São Paulo e Bahia e, atualmente, a catastrófica enchente no Rio Grande do Sul.

Esses casos não são apenas desastres naturais isolados. Eles são sintomas de uma crise climática em rápida escalada, agravada pela falta de planejamento e de políticas públicas para lidar com os eventos climáticos extremos que, cada vez mais, atingirão o Brasil e o mundo.

A crise climática é real e as consequências são graves. Contudo, não somente é possível prever a maioria dos impactos e planejar ações com antecedência para minimizar os estragos, como isso já tem sido feito. Em 2015, o relatório Brasil 2040, encomendado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, apresentou diversos cenários em decorrência das mudanças climáticas e os impactos em diversos setores do Brasil, incluindo o de infraestrutura de transporte rodoviário.

Mais recentemente, em 2023, o Projeto AdaptaVias – iniciativa do Ministério dos Transportes (MT) em colaboração com o governo alemão e com o apoio de diversas instituições, entre elas o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – realizou um levantamento dos impactos e dos riscos das mudanças do clima sobre a infraestrutura federal de transportes terrestres existente e projetada no Brasil. Os principais impactos identificados para rodovias e ferrovias estão ligados a deslizamentos, erosões, queimadas/incêndios e, especialmente, alagamentos/inundações.

Especificamente sobre os alagamentos em rodovias, dentre as medidas de adaptação propostas pelo Projeto AdaptaVias estão: a melhoria da gestão das planícies de inundação, a adaptação dos padrões de construção para os novos eventos climáticos, a realocação ou redesenho de estradas críticas localizadas em zonas de inundação e a criação de acomodações que dizem respeito à redução da gravidade dos danos, como elevação e modificação de infraestruturas para reduzir o impacto das inundações.

Essas recomendações são de extrema importância e já foram mencionadas pela Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) no Manifesto sobre a BR-319, que deu grande enfoque às inundações, aos eventos climáticos extremos e à proteção das áreas de preservação permanente (APPs) de áreas úmidas.

Mudar a construção das rodovias brasileiras

No Brasil, o método predominante de construção de rodovias é fundamentado na técnica de terraplanagem. A preocupação substancial surge quando a construção de aterros para rodovias ocorre em áreas de planície alagável, como as encontradas no Rio Grande do Sul, Pantanal e Amazônia, regiões que apresentam uma dinâmica hidrológica natural de períodos de seca e de cheia.

Quando uma rodovia é implantada sobre áreas de preservação permanente (APPs) de ambientes úmidos, a condução do fluxo de água ocorre, em grande parte, através de bueiros e pontes, muitas vezes mal dimensionados. Esse cenário propicia a formação de represamentos dos corpos d’água às margens da rodovia, interferindo na movimentação de peixes e outros animais aquáticos e semiaquáticos. Durante os períodos de cheia, falhas no dimensionamento das drenagens e das passagens de fauna subterrâneas podem resultar na inundação dessas estruturas, quando a capacidade de escoamento é excedida pela quantidade de água. Isso inviabiliza seu uso pelos animais terrícolas e passa a funcionar como uma barreira ao seu deslocamento.

Adicionalmente, na maioria dos casos, as estruturas de drenagem não são projetadas considerando eventos climáticos extremos, como as enchentes. Consequentemente, torna-se cada vez mais comum observar transbordamentos de água além dos limites normais, invadindo a pista, causando erosão do corpo da estrada e até mesmo provocando colapsos estruturais de aterros, bueiros e pontes. Portanto, medidas como o correto dimensionamento das estruturas de drenagem e a proteção das APPs em áreas alagáveis são essenciais não só para a preservação da infraestrutura rodoviária, mas também para a garantia de sua operacionalidade.

Em áreas de planícies alagáveis, uma alternativa ao aterramento de APPs é a construção de rodovias elevadas sobre pilares. Essa abordagem não apenas assegura a trafegabilidade e a operacionalidade da via, mas também preserva a conectividade da vegetação às margens da rodovia e facilita a passagem de uma ampla variedade de animais, especialmente aqueles que não utilizam ou têm limitado acesso às passagens de fauna subterrâneas.

As enchentes no Rio Grande do Sul servem de alerta para todos e, em especial, para os líderes do país, de que nós não podemos continuar ignorando a crise climática. Diante dos desafios impostos pela nova realidade e seus impactos na infraestrutura de transporte, é crucial que o Brasil adote medidas de adaptação eficazes e sustentáveis. Através de medidas como o correto dimensionamento das estruturas de drenagem e a proteção das áreas úmidas, podemos não apenas conservar nossa infraestrutura rodoviária, mas também garantir sua resiliência diante dos impactos das mudanças climáticas e ainda proteger a fauna silvestre.

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