Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Sei que esta discussão já rendeu longas horas e ainda não há uma definição sobre qual a função do criador comercial em relação ao tráfico de fauna silvestre. Será ele uma solução para impedir que pessoas busquem animais na ilegalidade ou ele cria um incentivo para quem não tem condições financeiras para aquisição de animais legalizados o buscarem um no tráfico? Ou ainda: será que o comércio autorizado não interfere em nada no combate ao tráfico?
Bem, vamos fazer uma pequena reflexão sobre o tema para ampliarmos ainda mais essa polêmica figura no universo da discussão sobre o tráfico de animais.
Do meu ponto de vista, os criadores comerciais surgem como uma verdadeira incógnita no caso do tráfico de fauna. Ao mesmo tempo que eles necessitam combater a atividade ilícita, que cria concorrência com seu produto, por outro lado, têm total interesse na permanência do desejo das pessoas na compra e venda de animais silvestres. Para esses comerciantes, é imprescindível a manutenção do status quo, ou seja, as pessoas precisam continuar seu interesse na posse e manutenção de silvestres, mas ele precisa ser o fornecedor da “mercadoria” e não o traficante.
Bem, considerando o argumento de que o criador comercial precisa incentivar a manutenção dos animais silvestres, já sabemos que possuem uma propensão a defender o cativeiro ao abolicionismo. Temos que entender também que ainda é importante a existência desses criadores, pois há muitas pessoas que anseiam pela posse dos silvestres e, sem a possibilidade da compra legalizada, a pressão sobre os animais de vida livre tende a se intensificar. Mas a pergunta central é: quanto mais melhor? A concorrência diminuiria o preço a ponto de minimizar a pressão sobre os animais de vida livre?
E é exatamente nesse ponto que entendo que não. Vislumbro que, mesmo aumentando exponencialmente o número de criadores comerciais – que pelas regras de Adam Smith, da mão invisível do mercado, faria diminuir o preço dos “animais-mercadoria” a ponto de ser competitivo com os preços dos animais advindos do tráfico- , essa realidade não se concretizaria. E por quê? Porque esquecemos que os custos do fornecedor nunca se equilibrarão, conforme vemos abaixo.
O criador comercial terá sempre que agregar em sua mercadoria os custos que teve para obtê-la, que, no caso dos animais silvestres, englobam a alimentação, o acondicionamento e os cuidados com as matrizes (pais e mães dos animais), a não certeza da cria anualmente, a não confirmação de que todos os animais serão efetivamente vendidos, os registros e impostos oficiais, dentre outros custos. E tais gastos serão devidos independentemente de haver um, dez ou 100 criadores no mesmo munícipio. Já o traficante terá como custos apenas o de retirada e transporte dos animais da natureza até seu destino.
É importante salientar que não há evidências de que um possível aumento de criadores comerciais poderia fomentar o tráfico de animais, mas o que consigo identificar é que não podemos mais ver o incentivo a criadores comerciais como uma alternativa para o combate ao tráfico, pois ele de fato não o é. Uma vez que os preços jamais serão competitivos, pois há um abismo nos custos do fornecedor, e embora possa haver uma leve diminuição nos preços devido ao aumento de criadores, esse valor nunca fará frente aos valores negociados pelo tráfico, que, infelizmente, sempre permanecerá em torno de 10% do preço do legalizado.
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