Por Claudia Xavier
Bióloga, mestra em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e doutoranda em Zoologia (UFPA/MPEG). Trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi
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Hoje vamos abordar uma família de aranhas que não é muito conhecida pelas pessoas, mas é bem provável que você já tenha visto algum integrante desse grupo por aí. Quem sabe até confundido com uma formiga. Posso imaginar a interrogação surgindo na sua expressão facial agora. Porém, garanto que logo mais você entenderá.
A família Corinnidae, a qual estudo desde 2017, é atualmente a 15ª família mais rica em número de espécies de aranhas (de um total de 132 famílias). No momento em que este artigo é publicado, é composta por 824 espécies alocadas em 73 gêneros e, até o final deste ano, esse número com certeza irá crescer, pois ainda existem muitas espécies sendo descritas e outras mais a serem descobertas.
Os Corinnídeos podem ser encontrados em zonas temperadas e tropicais ao redor do globo e, apesar dessa distribuição bem ampla, nem sempre são facilmente vistos. Isso porque essas aranhas apresentam coloração críptica, ou seja, possuem uma adaptação evolutiva em que os indivíduos apresentam padrão e coloração parecidos com o ambiente onde vivem. São, assim, capazes de camuflar-se muito bem em diferentes habitat, reduzindo o risco maior de serem predadas bem como aumentando a chance de conseguirem passar despercebidas por suas presas, sendo mais fácil de capturá-las.
Apesar dessa excelente habilidade de camuflar-se no ambiente (dependendo de onde estejam), se você deseja encontrá-las basta olhar atentamente para a serrapilheira na floresta, troncos em putrefação, embaixo de pedras, barrancos e até em troncos e folhas de árvores vivas. Algumas poucas espécies são também sinantrópicas, ou seja, adaptaram-se a viver junto do homem.
Apesar das discussões entre os especialistas sobre a composição da família, hoje são reconhecidas duas subfamílias (Corinninae e Castianeirinae) e mais um grupo de gêneros de posição incerta na sua árvore da vida (grupo Pronophaea).
A subfamília Castianeirinae é reconhecida por grande parte dos seus integrantes apresentarem hábitos mimercomórficos, isto é, mimetizam formigas (e muito bem, por sinal!). Mimetizam de forma estupenda não somente a morfologia, bem como também alguns comportamentos como o modo de andar, por exemplo, não utilizando o primeiro par de pernas para apoiarem-se e os mantendo suspensos como se fossem antenas. E o mimetismo pode ser tão impressionante que chega a ser difícil distinguir se o bicho se trata de uma formiga ou de uma aranha ao olharmos rapidamente (até mesmo para os olhos mais treinados), como as dos gêneros Myrmecium e Myrmecotypus. Os castianeiríneos encontram-se distribuídos quase mundialmente.
Já as aranhas do grupo Corinninae têm sua distribuição concentrada aqui na região neotropical (do sul do México ao sul da América do Sul) e seus integrantes parecem mais com “aranhas de fato”. Grande parte apresenta coloração marrom escura, como as do gênero Corinna, no entanto, há outras com coloração mais amarelada e padrões interessantes, como as dos gêneros Tupirinna e Xeropigo. As aranhas do gênero Tupirinna (as quais pude estudar durante o mestrado e sigo com elas no meu doutorado) são extremamente rápidas e o aracnólogo Pedro Martins conseguiu registrar a velocidade dessa aranha em um vídeo. Daí você já pode imaginar o motivo do nome “aranha-corredora”. Espécies do gênero Attacobius já foram registradas vivendo dentro de ninhos de formigas, aproveitando-se para predar ovos, larvas e pupas.
Outro caso impressionante de mimetismo é apresentado por aranhas do gênero Tapixaua, raras de serem encontradas. Você consegue enxergar uma aranha na foto a seguir
Impressionante o mimetismo, não é mesmo? Na foto a seguir, em fundo branco, é possível ver com mais detalhes a morfologia do bicho. No primeiro par de pernas estão presentes tufos de pelos que em determinada posição assemelham-se com a cabeça de uma formiga. O restante desse primeiro par de pernas simula as antenas.
A esta altura do texto, você deve estar se perguntando sobre o título: de onde vem o nome “aranhas-soldado”? O especialista na família e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi Alexandre Bonaldo sugeriu esse nome devido à semelhança da carapaça arqueada dos corinnídeos com capacete de soldados na guerra.
Depois de conhecer mais essas aranhas, você desconfiará se o que está vendo é realmente uma formiga?
Referências
– Bonaldo, A. B. (2000). Taxonomia da subfamília Corinninae (Araneae, Corinnidae) nas regiões Neotropica e Neárctica. Iheringia, Série Zoologia 89: 3-148.
– Ramírez, M. J. (2014). The morphology and phylogeny of dionychan spiders (Araneae: Araneomorphae). Bulletin of the American Museum of Natural History 390: 1-374. Link doi:10.1206/821.1
– World Spider Catalog (2022). World Spider Catalog. Version 23.5. Natural History Museum Bern, online at https://wsc.nmbe.ch, accessed on {date of access}. doi: 10.24436/2
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