
Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Desde o final de 2016, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 6.268/2016 (PL da Caça), de autoria do deputado federal Valdir Colatto (MDB-SC), que pretende legalizar as caças esportiva e comercial no Brasil. Entre os argumentos dos defensores da proposta do parlamentar ruralista está a necessidade de combater a expansão dos javalis (Sus scrofa), espécie não nativa do Brasil que causa danos ao meio ambiente e prejuízos aos agricultores.
Ninguém discorda da necessidade de o Estado brasileiro capitanear as ações para resolver o problema dos javalis. Mas será que é honesta essa justificativa para tentar sensibilizar parlamentares e a opinião pública e conseguir a aprovação do PL?
Com certeza, não.
Afinal, desde a lei 5.197, de 1967, já é prevista a possibilidade de se abater animais silvestres “considerados nocivos à agricultura”. Está lá no parágrafo 2º do artigo 3º. Especificamente para o caso dos javalis, o Ibama publicou a Instrução Normativa 3, de 2013, regulamentando a caça dos animais da espécies como forma de solução do problema. Ou seja, não existe uma lacuna na legislação nacional para combater espécies exóticas, em especial o javali-europeu, que justifique a criação de mais uma lei.
Na verdade, há outras intenções por detrás do projeto do deputado Valdir Colatto. E a indústria de armas de munições, que já financiou campanhas do parlamentar, tem muito a ver com isso.
Colatto é também parte da chamada Bancada da Bala, como é conhecido o grupo de parlamentares que recebem dinheiro da indústria de armas e munições para custear suas campanhas. Em 2011, o portal de notícias UOL publicou uma matéria sobre essa bancada. A partir de pesquisa realizada no Tribunal Superior Eleitoral, descobriu-se que o deputado recebeu uma doação de R$ 30 mil desse setor industrial.
Deixando mais claro, o que se pretende com a legalização das caças esportiva e comercial é ampliar o mercado para os fabricantes de armamentos.
Além da solução “caça” não ter sequer chegado perto de resolver o problema dos javalis, mesmo sendo aplicada desde 2013, outro problema acabou sendo criado: a caça de oportunidade. Muitos caçadores, que quando estão com autorização do Ibama para abater javalis são chamados de “controladores, não perdem a oportunidade de atirar em animais de outras espécies.
É o que a PM Ambiental de Santa Catarina, Estado do deputado Colatto, comprovou no último sábado (8 de setembro de 2018):
“Cabeças taxidermizadas de Javali e Leão Baio foram encontradas dentro de um galpão na localidade de Rodeio da Pedra, interior do município de Campo Belo do Sul, Serra catarinense, no final da tarde de sábado (8).
No local, que é alvo de constante denúncias de prática ilegal de caça segundo informações da Polícia Militar Ambiental, também foram encontradas taxidermizadas patas, rabos, chifres, pele e outros membros de tatu, veado, javali e tamanduá.
A apreensão aconteceu por volta das 18h durante um patrulhamento realizado pela Polícia Militar Ambiental (PMA) de Lages no local, que tinha como objetivo combater a caça ilegal de animais silvestres e furto de animais na região.
Um homem, que não teve a identidade revelada, foi encaminhado à delegacia de Campo Belo do Sul e poderá responder por crime ambiental. Ao ser abordado, ele se apresentou como controlador de javalis, segundo a polícia ambiental, e teria dito que possuía armas regularizadas, que estavam guardadas no carro e dentro da residência. Dentro da casa foram localizadas uma pistola calibre .38 carregada com 19 munições, uma embalagem com outras 10 munições, que o suspeito afirmou serem seus, e uma guia de tráfego da pistola, que, segundo ele, era utilizada para competição de tiro.
Foram encontrados também uma espingarda calibre .12, dois cartuchos intactos e um deflagrado — material que sobra depois de um tiro disparado —, itens que pertenciam a um outro homem conforme informou à polícia uma mulher que estava no local. Todos os materiais foram apreendidos.” – texto da matéria “Cabeças de animais silvestres empalhadas são apreendidas em Campo Belo do Sul, na Serra de SC”, publicada em 9 de setembro de 2018 pelo site do jornal Diário Catarinense
Caso o PL da Caça seja aprovado, dá para imaginar que o número de caçadores no Brasil aumentará (além dos ilegais, que continuarão sendo inúmeros, haverá os que começarão na atividade). E, com o sistema de fiscalização ineficiente como o brasileiro, é certo que muitos animais silvestres proibidos de serem abatidos não ficarão ilesos se cruzarem, no meio do mato, com caçadores.
O PL da Caça, tão defendido pelos “controladores”, é uma iniciativa desastrosa.
Só mais um detalhe: leão-baio é onça-parda (Puma concolor).
– Leia a matéria do Diário Catarinense
– Conheça a campanha Todos Contra a Caça