Contribuições do monitoramento de fauna para conservação no licenciamento

Ao longo do período em que estive à frente do monitoramento de fauna, durante a fase de obras de instalação da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, em um trecho localizado na Bahia, uma preocupação constante foi avaliar se o desenho amostral atendia aos objetivos do estudo.

Esses objetivos eram: identificar a magnitude/relevância do impacto da implantação da ferrovia sobre espécies/grupos-alvo de conservação; avaliar a adequação (tipo e local) das medidas de mitigação, propostas em projeto; e propor medidas adicionais, se necessário. Isso para que nosso estudo de monitoramento de fauna trouxesse resultados positivos para a conservação, razão pela qual o licenciamento ambiental existe.

O desenho que propusemos, construído em conjunto (consultoria, empreendedor e Ibama/DF), foi aplicado em cinco campanhas semestrais/sazonais. Foram contempladas, sobretudo, as espécies-alvo de conservação de grandes grupos de fauna, dentre os quais destaco, neste artigo, os primatas, os psitacídeos (aves como araras e papagaios), os anfíbios e quelônios associados ao meio aquático e a ictiofauna – incluindo rivulídeos (peixes).

A maior dificuldade que enfrentamos residiu no fato de que os estudos previamente realizados, associados a esse processo (estudo de fauna componente do Estudo de Impacto Ambiental e 16 campanhas semestrais/sazonais realizadas na fase de obras), basearam-se em desenho amostral focado na coleta de dados voltada para inventariamento da fauna.

O inventariamento pressupõe a necessidade de se identificar que fauna ocorre na região, gerando informações para elaboração de listas, normalmente de espécies florestais – no caso da fauna terrestre – e de rios e córregos – no caso da fauna aquática.

A experiência nos mostra que estudos de fauna, no âmbito do licenciamento, devem resultar em subsídios para tomada de decisão acerca de aspectos relevantes no processo, tais como: a definição de traçado (alternativas locacionais), a definição de alternativas tecnológicas para o processo construtivo, e a proposição de medidas de evitação e de mitigação, com indicação de local, tipo e finalidade.

Quando realizados em formato de inventário, os estudos de fauna geram informações, quase sempre, irrelevantes para a tomada de decisão, pois não indicam os locais preferenciais da fauna-alvo de conservação, a localização de corredores e a presença de ambientes singulares.

Assim, dada a impossibilidade de avaliarmos a magnitude dos impactos sobre a fauna mais sensível e de propor medidas de mitigação a partir do desenho amostral originalmente definido, construímos e executamos o desenho focado em espécies/grupos-alvo. Além disso, definimos áreas de estudo contemplando uma grande diversidade de elementos da paisagem. Isso possibilitou que chegássemos a algumas conclusões relevantes sobre os grupos de fauna supramencionados.

Primatas e psitacídeos possuem grande mobilidade e ocupam grandes áreas de vida, com presença de elementos fundamentais para sua ocorrência na estrutura da paisagem ocupada. Já os peixes anuais (rivulídeos) apresentam uma alta especificidade de hábitat, com dependência da ocorrência de áreas úmidas temporárias, com características muito específicas.

Assim, a ausência ou baixa quantidade de registros das espécies-alvo desses grupos em ambientes próximos à ferrovia, nessa etapa do estudo, não pôde ser associada à presença do empreendimento, uma vez que não há dados pretéritos sobre a ocorrência das espécies-alvo, como também acerca da interferência das obras sobre seus hábitats preferenciais.

Diagnóstico de fauna

Dessa forma, para primatas, psitacídeos e peixes da família Rivulidae, nessa ferrovia já quase integralmente construída, não há como propor medidas que mitiguem o impacto sobre esses grupos, o que nos levou a concluir que devem ser grupos-alvo do diagnóstico de fauna, componente do EIA. Esse diagnóstico deve ser elaborado a partir da adoção de desenho amostral adequado para identificação e indicação das áreas fundamentais para a conservação/manutenção das populações locais, para gerar subsídios que orientem o projeto de engenharia, tornando possível que se busque evitar a interferência do traçado da ferrovia sobre os ambientes preferenciais identificados.

Já o monitoramento de anfíbios e quelônios associados ao meio aquático – grupo reconhecidamente impactado pelo aprisionamento e morte por inanição nas estruturas das ferrovias – trouxe a informação da quase ausência de espécies sensíveis em ambientes mais bem preservados, adjacentes ao traçado estudado. Essa informação deveria ter se originado no diagnóstico de fauna, pois a proposição de medidas para o grupo, tais como barreiras para acesso aos trilhos e passagens inferiores específicas, caso necessárias, impactariam o projeto.

Pode-se concluir que, para esses grupos monitorados, o desenho amostral que construímos e executamos não cumpriu seus objetivos específicos, pois não identificamos formas possíveis de mensurarmos o impacto, não há medidas de mitigação de impacto previstas e não há como propor medidas com o projeto em execução.

No entanto, as informações que obtivemos acerca desses grupos/espécies-alvo monitorados corroboram a necessidade, brilhantemente exposta por Teixeira et al. (2020), de que a realização de diagnósticos de fauna, componentes de Estudos de Impacto Ambientais, deve ser focada em grupos/espécies-alvo.

Concluímos, também, que o foco de monitoramentos de fauna deve ser direcionado às espécies/grupos para os quais a adoção de medidas de mitigação é possível e necessária.

Investir recurso público no monitoramento de grupos que não se enquadrem nessa prerrogativa, na fase de instalação do empreendimento, só se justifica se o objetivo for, claramente, a obtenção de informações ecológicas que subsidiem a tomada de decisão em empreendimentos futuros ou, ainda, a obtenção de dados para a Ciência.

Referência

• TEIXEIRA, et al. Predição de impactos na fauna: uma proposta para aprimorar estudos de impacto ambiental. Boletim da Sociedade Brasileira de Mastozoologia, v. 89, p. 146-153, 2020.

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