Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF).
Tem como principais interesses assuntos relacionados à ecologia de ferrovias e rodovias, assim como conservação da natureza e educação ambiental.
Falamos muito sobre os atropelamentos da fauna nas rodovias e ferrovias, que ocorre quando a via já está construída e operante. Talvez isso aconteça porque é mais fácil visualizar e quantificar os impactos quando já temos a infraestrutura funcionando. Entretanto, é sempre bom relembrar que os impactos dessas infraestruturas acontecem desde antes de sua operação, quando a via está sendo construída. A construção pode gerar alteração no hábitat de várias espécies, por conta da supressão de vegetação e de impactos sonoros, por exemplo. Dimensionar impactos das infraestruturas de transporte ao longo de suas fases é complexo, pois demanda anos de avaliação, o que nem sempre é factível.
Felizmente, porém, não é impossível. Pesquisadores da França realizaram um estudo para estimar o impacto de uma ferrovia, antes, durante e depois da sua construção, em uma população de aves da espécie Tetrax tetrax, o sisão. Durante 10 anos, as fêmeas dessa espécie foram monitoradas nas diferentes fases da construção da ferrovia. A infraestrutura é de trens de alta velocidade (por volta de 220 km/h) e está localizada entre Nîmes e Montpellier, no sul da França. Ela se estende por 86 km e em grande parte é elevada, construída acima do solo, atingindo cerca de 5 metros de altura. A construção começou no final de 2013 e a operação da ferrovia começou em 2017.
Três censos foram realizados para contagens do número de fêmeas de sisão, em 2012, 2016 e 2021. As contagens foram realizadas em quadrantes, de aproximadamente 1 hectare, com a presença de habitats favoráveis para a nidificação da espécie. Os quadrantes amostrados estavam distribuídos ao longo de áreas protegidas no entorno de quase toda ferrovia, em distâncias de até 1000 metros. Cinco observadores percorreram os quadrantes a pé e todas as fêmeas de sisão avistadas foram registradas.
Os pesquisadores avaliaram também as mudanças nas características da paisagem ao longo de um gradiente de mil metros de distância da ferrovia e nos diferentes períodos (antes, durante e depois da construção). Foram medidas, por exemplo, as proporções de três tipos de uso do solo: hábitat favorável para nidificação da espécie, agricultura e hábitat não-favorável para a espécie, como áreas urbanas e água.
Embora a disponibilidade de hábitat para nidificação da espécie não tenha mudado muito ao longo dos anos, os resultados revelaram um declínio significativo na densidade de fêmeas ao decorrer da construção. Antes da construção, a densidade de fêmeas era constante na zona de mil metros no entorno da ferrovia. Porém, durante a construção já foi observada uma redução da densidade nos 100 metros adjacentes a ferrovia (75%), sendo essa redução ainda maior para essa distância na operação da ferrovia (94%). Ainda, a redução da densidade chegou até a zona de 775 m de distância da ferrovia depois do início da operação dos trens (57%).
Um resultado interessante foi que, durante a construção da ferrovia, a densidade total nos mil metros não reduziu, mas como diminuiu em regiões próximas à ferrovia, acredita-se que os animais se afastaram um pouco da estrutura. Porém, com o início da operação dos trens, houve um declínio de 50% na área total avaliada. Essa redução na área de estudo pode sugerir que os animais tenham se deslocado para ainda mais distante da ferrovia, mas também pode refletir perda de indivíduos por atropelamento ou menores taxas reprodutivas.
Estudos como esse são extremamente importantes para compreendermos a magnitude dos impactos ao longo de diferentes etapas da construção e operação de uma ferrovia (e rodovia). Além disso, ele demonstra a necessidade de avaliarmos também os impactos indiretos (e menos visíveis), como alteração dos locais onde os indivíduos habitam, e também a importância de identificar as zonas de efeito dos impactos para pensarmos as áreas direta e indiretamente afetadas por essas infraestruturas.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).
Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). Tem como principais interesses assuntos relacionados à ecologia de ferrovias e rodovias, assim como conservação da natureza […]
