Gabriela Mendonça de Souza
Graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal de Mato Grosso - Campus Juína. Foi bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat). Atualmente trabalha no ensino básico.
Juína (MT) está em uma área de transição entre o Cerrado e a Amazônia, o que resulta em uma biodiversidade excepcionalmente rica e visualmente abundante. Diante dessa diversidade, é essencial que qualquer projeto desenvolvido considere os impactos e benefícios potenciais para a fauna local. Portanto, para compreender melhor essas interações, realizamos observações e monitoramento ao longo de uma trilha e uma rodovia no Instituto Federal de Mato Grosso – Campus Juína.
Já sabíamos da grande utilização da rodovia por primatas por meio de registros de atropelamentos e de animais atravessando a pista feitos por alunos e funcionários do IFMT. A via de acesso ao IFMT é uma estrada municipal de cinco quilômetros, com acostamento e faixa para ciclistas, sendo recentemente pavimentada (julho de 2024). Os informes recebidos e a pavimentação da pista nos incentivaram a iniciar, em setembro de 2024, a amostragem sistematizada de fauna atropelada. Além disso, observamos pontos em que a pista fragmentava a vegetação natural e registramos as espécies que ocorrem nesses fragmentos dos dois lados da pista.
Esse acompanhamento permitiu identificar as espécies que poderiam ser favorecidas com a implementação de uma passagem de fauna. Durante esse processo, observamos uma significativa presença de primatas, tais como o zogue-zogue (Plecturocebus cinerascens), o sagui-do-cerrado (Mico melanurus),o macaco-aranha (Ateles chamek) e o macaco-barrigudo (Lagothrix lagothricha), o que nos sugeriu que esses animais poderiam ser potenciais usuários da estrutura.
Idealizado pelos professores Ana Clara Abadia e Jefferson Miranda, foi criado então o projeto “Passagem de Fauna Suspensa: preservando a biodiversidade nas rodovias do noroeste do Mato Grosso”. Seu objetivo é diminuir o impacto de rodovias sobre esses animais arborícolas.
O projeto começou com estudos sobre a biodiversidade local e os impactos das rodovias nos deslocamentos dos animais e, com base nesses dados, foi possível definir o local mais adequado para a passagem e os materiais necessários para torná-la eficaz na nossa região. Ao longo do processo, aprendemos que a construção de uma passagem de fauna não se resume à engenharia e à biologia, mas também à sensibilização e ao diálogo entre diferentes setores.
A passagem foi construída e discutida com alunos em disciplinas de Ecologia, sendo instalada somente em 12 de dezembro de 2024 no local em que registramos o maior número de espécies de primatas e de indivíduos no entorno, atropelados e atravessando a pista. Apesar de uma das margens ser mais vegetada, não conseguimos autorização do proprietário para a instalação da passagem nesse ponto. Assim, devido a intensa fragmentação na área selecionada, optamos previamente por fazer um plantio de mudas nativas para futuramente facilitar a conexão, que até o momento é feita por cordas e cabo de aço ligando a passagem ao fragmento.
O resultado vai além da infraestrutura: representa um compromisso coletivo com a conservação e a coexistência harmoniosa entre o desenvolvimento humano e o meio ambiente.
A implementação dessa passagem pode representar um avanço significativo para a conectividade ecológica da região. Ao interligar dois fragmentos de vegetação nativa, possibilitamos que os animais se desloquem de forma mais segura, reduzindo os riscos associados à travessia da rodovia. Esse acesso seguro não apenas minimiza a mortalidade por atropelamentos, mas também favorece a dispersão genética e o equilíbrio ecológico, permitindo que os espécimes tenham acesso a uma maior variedade de recursos alimentares e abrigo.
No momento, após a revisão das câmeras instaladas na passagem de fauna, constatamos duas espécies utilizando a estrutura: o zogue-zogue e o sagui-do-cerrado. Esses registros no deixam contentes e mostram um pouco da importância do projeto para a região.
Mais do que uma iniciativa voltada à conservação, o projeto também teve um impacto significativo em nossa formação acadêmica. Ele nos proporcionou um olhar mais atento à biodiversidade que nos cerca, ajudando a compreender a importância de sua conservação e valorização, especialmente em uma região localizada na zona de transição Cerrado-Amazônia.
Além disso, por estarmos envolvidas em um projeto que oferece visibilidade para meninas e mulheres que buscam espaço na Ciência, ficamos ainda mais motivadas a buscar o lugar de fala e fortalecer a representatividade feminina no meio acadêmico e científico.
Construir a passagem de fauna foi muito mais do que erguer uma estrutura para garantir a travessia segura de animais. Foi um processo que envolveu pesquisa, planejamento e, principalmente, colaboração. No nosso caso, esse foi um esforço conjunto que reuniu a comunidade acadêmica, o setor empresarial e a sociedade em geral, mostrando que a conservação ambiental é uma responsabilidade compartilhada.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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