Por Reginaldo Cruz
Graduado em Administração e em Ciências Biológicas, é associado da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) e sócio-administrador da Cruzeiro do Sul Consultoria Ambiental Ltda.
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A construção de uma ferrovia no Brasil, normalmente, envolve projetos de longa extensão, com o limitante da necessidade de um grau de inclinação máximo de 1,2% e de curvas suaves e longas, por segurança e manutenção da velocidade. Essas limitações fazem com que as alternativas de traçado sejam mais restritas e que uma grande quantidade de trechos elevados seja necessária.
Dessa forma, para que se configure em um real diagnóstico da área de estudo, a elaboração do estudo de impacto ambiental (EIA) para esse tipo de empreendimento deve ser precedida por uma criteriosa discussão acerca da definição do desenho amostral.
Porém, não é o que se verifica em relação aos estudos de fauna no Brasil, no âmbito dos processos de licenciamento, sejam eles diagnósticos (fase de análise de viabilidade) ou monitoramentos (fases de construção e/ou operação), que chegam a meu conhecimento. Eles seguem, com raras exceções, o modelo baseado em inventários.
A contratação desses estudos segue uma lógica, na construção do desenho amostral, com baixíssima (ou nula) chance de se atingir o objetivo proposto, que é a identificação das fragilidades do ambiente interceptado, a obtenção de subsídios para redução do impacto e proposição de medidas de mitigação.
Quando o estudo se trata de um diagnóstico, fica extremamente difícil a proposição de um desenho com possibilidade de obtenção de respostas. E isso se deve ao curto prazo de execução do estudo, ao orçamento, quase sempre muito limitado, e ao engessamento decorrente da vigência da Instrução Normativa (IN) Ibama nº 13/2013 (que estabelece a padronização metodológica das amostragens de fauna nesses tipos de estudos ambientais).
Quando se trata do monitoramento, a realidade pouco difere, uma vez que há um entendimento de que métodos e esforços (inclusive áreas amostrais) devem seguir o padrão adotado para o diagnóstico.
De toda forma, os argumentos acima não podem servir como desculpa para que não se busque evolução nos desenhos. O modelo baseado em inventário traz sempre uma certeza embutida: a chance, muito próxima de 100%, de obtenção apenas de informações que não permitem a avaliação dos impactos, sobre qual grupo ocorrem, em que dimensão (temporal e espacial) e a proposição de medidas de mitigação.
A tentativa de melhoria, sempre lastreada na experiência de especialistas em cada grupo, focando os estudos em espécies/grupos alvo, que conhecidamente são mais suscetíveis a impactos negativos do tipo de empreendimento em estudo, tenderá a vir acompanhada de uma chance maior de obtenção de respostas.
O que me causa estranheza, nesse meu tempo de consultoria ambiental, é o fato de os estudos seguirem trazendo apenas listas de espécies, alguns com análises estatísticas complexas, que não levam a lugar algum, quando a experiência adquirida deveria apontar para novos caminhos.
No caso dos monitoramentos, sobretudo aqueles realizados durante obras demoradas, passados dois, três anos de relatórios inócuos, era de se esperar que fossem exigidas, quando não propostas, por iniciativa da consultoria, melhorias nos desenhos amostrais.
Neste momento, estou imerso na oportunidade de melhorar o desenho de um monitoramento de ferrovia em construção, que já conta com oito anos de estudos realizados (sem considerar a etapa do EIA). As dificuldades são enormes, como por exemplo, a necessidade de ajuste do Plano Básico Ambiental (PBA – documento que explicita os programas ambientais que serão executados nas fases de instalação e operação) aprovado e reaprovado, obrigatoriedade de adequação mínima à IN nº 13/2013, a manutenção de periodicidade e a expectativa por resultados imediatos.
O ideal seria trabalharmos com modelos de distribuição e ocupação de habitat pela fauna alvo, para termos informações que nos permitissem orientar e otimizar a implantação de medidas de mitigação, sobretudo passagens de fauna, inclusive em futuros empreendimentos lineares na mesma paisagem. No entanto, o desenho teria que ser muito mais robusto e demandaria recursos e tempo muito superiores aos disponíveis.
Porém, temos que lidar com as limitações, propor o que for possível e factível e tirar do desenho o máximo de dados objetivos possíveis para, juntamente às observações in loco dos especialistas, podermos gerar informações valiosas para a conservação da fauna silvestre.
Nesse sentido, optamos pela seleção de grupos alvo com alto potencial de resposta aos impactos e de trechos nos quais a matriz onde a ferrovia se insere é mais favorável à presença desses grupos alvo. Nesses trechos, a intenção é amostrar/monitorar ambientes representativos da estrutura original da paisagem, num gradiente de distanciamento que nos permita inferir acerca da zona de efeito da ferrovia e, se possível, identificar a que elementos da paisagem as espécies alvo estão mais associadas. Ao longo do tempo, a partir dessas inferências, buscar a evolução do desenho, com o monitoramento de ambientes específicos, num gradiente também específico, que nos permita a identificação categórica da magnitude e escala do impacto sobre cada grupo estudado.
É urgente avançarmos nesse sentido, para que a evolução, em estudos futuros, parta do EIA. Descobrir, durante o monitoramento, que determinada área sensível está sendo ou foi destruída, deve servir, ao menos, para que esse erro não se repita. Além disso, devemos ter sempre em mente que a proposição de implantação de passagens inferiores de fauna em uma ferrovia deve ocorrer antes da sua construção, porque depois, pouco pode ser alterado, diferente do caso das rodovias.
Contudo, não é o que se verifica hoje: me parece que pouco ou nada se aproveita da experiência acumulada em estudos pretéritos para projetos futuros. Muito em decorrência de nossos estudos gerarem apenas listas de espécies, como se houvesse lacunas consideráveis de conhecimento da fauna silvestre no Brasil fora dos grotões da Amazônia.
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