Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Em tempos cuja sensação é de que a fauna silvestre brasileira parece estar perdendo o jogo da sobrevivência, é sempre importante apresentar histórias e fazer considerações que permitam inverter a lógica da situação atual. Devemos abrir as portas para os animais e manter vivas as esperanças por um meio ambiente mais equilibrado.
Hoje conto como um cidadão, o senhor José Aparecido Ferreira, que desenvolvendo o gosto por fotografia, acabou adotando uma praça que se tornou um pitstop para a avifauna.
Conforme relato do também observador de aves e amigo, o senhor Rubens Galdino, “a praça que fica na cidade de Campinas, estava o maior mato… Ele roçou, plantou lantanas, grevíleas, odontonemas, malvaviscos. Colocou bebedouros. Fez um trabalho incrível. Tudo para fornecer melhores condições para as aves residentes e migratórias. Já apareceu até bacurau-tesoura por lá. E isso em plena zona urbana!”
Bem, voltemos à praça. Tem jardineiro? Tem. Tem água? Tem. Tem mudas de flores para atrair beija-flores? Tem. Tem casinhas (algumas parecem até castelinhos)? Tem.
Ué? E quem paga a conta?
Aquele mesmo senhor com quem começamos a nossa história de hoje: o José Aparecido Ferreira.
Mas pera aí: a praça não é pública?
O município de Campinas, com mais de três mil praças, possui um programa de adoção de praças e áreas verdes funcionando desde 2000. A ação de adoção pode ser feita por pessoas jurídicas e implica em uma parceria formal, entre o interessado e a prefeitura, com prazo de cinco anos.
Recentemente, o município publicou um novo diploma legal disciplinando o assunto: a Lei Complementar nº 262, de 18 de junho de 2020, que “Dispõe sobre a reorganização e consolidação do Programa de Adoção de Praças Públicas e de Esportes e Áreas Verdes – PAPPE e do Programa de Manutenção e Proteção de Canteiros Centrais e Encostas das Vias Públicas – PMPCE”.
No entanto, até 2018, segundo matéria do portal G1, das 500 praças adotadas em 2012 apenas cerca de 200 ainda permaneciam adotadas.
Realmente, apesar dos esforços da Prefeitura, parece que esse programa não é muito popular entre os munícipes de Campinas. E logo dá para entender o porquê. Primeiro, é necessário ter um projeto aprovado pela Prefeitura, incluindo o memorial descritivo da obra. Ou seja, só aí já se tem de contratar um profissional da área de engenharia civil. Depois passa-se por vistoria técnica e, se tudo corre bem, assina-se o documento de parceria, o que implica em responsabilidade civil sobre a área. Sem contar o detalhe de ser disponível somente para pessoa jurídica. Nas palavras do senhor José, “existe programa de adoção de praça, mas o que a Prefeitura pede o torna inviável!”
Mas tudo mudou em 6 de março de 2021, quando o senhor José, que só queria trazer as aves mais próximo de onde mora e tinha em frente de sua casa uma praça toda abandonada, teve a ideia de começar a plantar naquela área flores que chamassem a atenção de beija-flores. Aí uma coisa puxa a outra: para plantar flores é preciso de água, daí a instalação do relógio de água (hidrômetro) para a praça na casa dele e a contratação dos jardineiros – porque espécies de plantas destinadas a atrair pássaros não vingam se não forem bem cuidadas.
E por fim, além do cuidado com as plantas, vieram as casinhas para pássaros. Uma mais linda que a outra. E claro, lidar com vandalismo, lixo e até mesmo roubo. Nada que muita dedicação, paciência e uns R$ 30 mil de investimento não resolvam!
Um ponto importante, no qual sempre bato, é que não existem mais lugares intocados no nosso meio ambiente. Isso faz com que, cada vez mais, a fauna silvestre, em especial a avifauna, está e vive em ambientes urbanos.
Campinas, que já chegou a ter apenas 7% de cobertura vegetal, em 2020 tinha dobrado esse percentual. Parte desse esforço em reverter essa perda de áreas vegetadas acontece em região urbana. No caso da praça de hoje, até aves não muito comuns já estão frequentando o local. No site especializado em dados de observação de avifauna, E-bird Brasil, Campinas aparece com mais 20 praças (incluindo essa) listadas como hotspots, isto é, como locais especiais para observação de aves. Quem sabe se essas praças possam abrigar no futuro até ações de soltura de avifauna ou de animais de outras espécies silvestres a semelhança do que vem sendo feito na floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Quem sabe também se criando campanhas do tipo “Olhando Pássaros na Praça”, a prefeitura de Campinas não dá uma turbinada nessas parcerias de adoção, não é mesmo? Praças são espaços de uso público comunitário; locais muito mais importantes do que apenas um ponto de propaganda de empresas. Observação de aves é uma boa maneira de unir a comunidade em torno da conservação de um espaço público.
História incrível não é mesmo? E o que se ganha com isso?
Inspiração!
Que a história de hoje provoque em outras pessoas a ideia de que proteger e adotar áreas públicas faz bem para todos; de que o simples plantio de espécies de plantas que atraem aves e, em especial, os tão amados beija-flores, fazem um bem danado. Oferecer comida e água a animais de espécies que estejam de passagem por nossas casas compensa. Afinal, que formosura tem as espécies da fauna silvestre brasileira… Lindo mesmo de se ver.
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