Por Karlla Barbosa
Bióloga, especialista em Tecnologias Ambientais, mestre em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutoranda em Zoologia. É coordenadora de projetos na SAVE Brasil, principalmente no Projeto Cidadão Cientista
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A prática de oferecer alimentos para as aves com o intuito de tê-las mais próximas de nós é uma atividade em muitos países. No Brasil, esse hábito é cada vez mais crescente, especialmente neste momento em que as pessoas estão ficando mais em casa. Mas a dúvida é: eu faço bem ou mal em alimentar as aves?
Bem, de maneira geral, não há dúvidas de que as aves se beneficiam dos alimentos que disponibilizamos para elas, especialmente em ambientes urbanos onde a oferta de alimento pode ser menor. Mas existiria algum prejuízo relacionado a essa prática? No Brasil, ainda estamos engatinhando para entender como tudo isso funciona, mas em países como o Reino Unido e os EUA, os pesquisadores já observam os comedouros e bebedouros em residências há mais de 30 anos.
No Reino Unido, os pesquisadores acreditam que os alimentadores de jardins estão causando mudanças nas populações de aves urbanas. Essa mudança não se refere apenas a revelar novas espécies nesses locais, mas também no aumento do tamanho populacional das aves que já eram bem conhecidas. Isso porque as populações de espécies que usam os comedouros estão aumentando em ambientes urbanos, enquanto as populações daquelas que não usam permanecem inalteradas. Uma estimativa indica que mais da metade das residências britânicas alimentam e mantém 133 espécies de aves, ou seja, cerca da metade das espécies do país.
Já no EUA, de acordo com um levantamento feito com dados do projeto de observação de aves em comedouros Project FeederWatch a maioria das espécies que são frequentadoras mais assíduas dos comedouros tende a se sair tão bem quanto, ou melhor, do que espécies que visitam comedouros esporadicamente. E apesar dos pesquisadores ainda pretenderem ir mais a fundo nos dados, eles dizem que a principal mensagem é: espécies que visitam os comedouros estão muito bem!
Mas voltemos à nossa pergunta inicial: o que poderia dar errado com os comedouros e bebedouros? Diversos questionamentos pertinentes podem surgir nesse debate e um bastante recorrente seria relacionado ao fato de as espécies não estarem se alimentando de frutas no ambiente natural e, consequentemente, não dispersando sementes. É uma pergunta interessante e, intuitivamente, eu diria que esse problema não deve ser muito grande. Entretanto, ainda não temos dados que apontem alguma direção e essa questão permanece em aberto.
Um outro problema (que eu não diria ser exatamente um problema) e que não raramente escuto relatos, é de que os comedouros eram para os passarinhos fofinhos, mas que apareceu um gavião e comeu a pobrezinha da rolinha. Bom, a definição de alimento é diferente para cada um e eu sinto muito pelas rolinhas, mas os gaviões também precisam comer.
E por falar nisso, quem não precisa comer passarinhos são os gatos domésticos! Sim, muitas pessoas não se dão conta que estão oferecendo um banquete para os gatos domésticos, então coloque seu comedouro de uma forma segura para que os passarinhos não sejam atacados por gatos. Eu diria que uma outra ameaça potencial para as aves que não nos damos conta é o colocar os comedouros perto de vidraças. Vidros são um problema sério para as aves, pois elas não enxergam e podem se chocar contra ele, ocasionando morte instantânea ou ferimentos graves, tornando-as presas fáceis para predadores.
Com relação aos bebedouros de água com açúcar para beija-flores, o debate é ainda mais antigo e acalorado. Bom, eu não diria que o açúcar seria o centro do problema, mas principalmente a limpeza inadequada do bebedouro. Assim como a falta de limpeza em qualquer alimentador animal. Geralmente é recomendado que se coloque água com açúcar, o refinado mesmo, e alguns trabalhos mostraram que uma proporção de 25% de açúcar em relação à água ficaria mais próximo do néctar de algumas flores. Porém, o pesquisador especialista em beija-flores Vitor Piacentini, recomenda uma parte de açúcar para cinco partes de água, assim você vai atrair menos insetos. Para evitar contaminação do comedouros e bebedouros, a limpeza deve ser feita com uma escovinha contendo água e sabão e, esporadicamente, mergulhá-los em solução de cloro (uma parte de cloro para nove de água) por pelo menos 10 minutos.
Algumas pessoas podem ainda dizer que alimentar as aves acaba tornando-as dependentes. Entretanto, em média, essa alimentação que oferecemos fornece 25% do suprimento diário que as aves silvestres necessitam. Outros alimentos que podem fazer parte do cardápio delas incluem insetos, pequenos vertebrados, frutos nativos e flores.
Então, o que oferecer para as aves? Pode-se colocar frutas da época (por exemplo, banana, mamão e abacate) para aves frugívoras como sanhaçus e sabiás, e sementes (por exemplo, painço, alpiste, quirera e até um pouco de girassol) para aves granívoras como canários e periquitos.
Para ajudar seus amigos emplumados, coloque o alimento em uma posição que facilite ele ter acesso. Ofereça também água fresca em tempo de seca para que possam se refrescar, mas lembre-se de manter tudo limpo para que mosquitos não proliferem.
A última dica é: não deixe também de plantar frutas e flores para atrair as aves! Busque na sua região quais são as melhores opções para plantar.
Em resumo, um dos impactos mais importantes do uso de comedouros e bebedouros de aves é que essa prática permite que as pessoas se sintam conectadas ao mundo natural. E o melhor, uma conexão não virtual. Essa proximidade que se inicia com comedouros e bebedouros não termina neles. Pelo contrário, pode inspirar as pessoas a se engajarem em ações de defesa e iniciativas de conservação, auxiliando muitas espécies que precisam mais do que sementes e frutas para sobreviver.
Referências
– Greg, E. (2017). Analysis: Do Bird Feeders Help Or Hurt Birds?. All About Birds. Cornell Lab
– Baker, H. (1975). Sugar Concentrations in Nectars from Hummingbird Flowers. Biotropica
– Feliciano, L.M., Underwood, T.J., and Aruscavage, D.F. (2018). The effectiveness of bird feeder cleaning methods with and without debris. The Wilson Journal of Ornithology
– Kromer T., Kessler M., Lohaus G. & Schmidt-Lebuhn A.N. (2007). Nectar sugar composition and concentration in relation to pollination syndromes in Bromeliaceae. Plant Biology
– Plummer K.E., Risely K., Toms M.P. et al. (20190). The composition of British bird communities is associated with long-term garden bird feeding. Nature Communications
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