Comedouro para aves: prós e contras da prática pela visão da Ciência

Ter comedouro para aves em casa ou unidades de conservação sempre foi polêmico entre acadêmicos, pesquisadores e observadores de aves. Afinal, quais são os prós e os contras desta prática?

Conheci o Eduardo Alexandrino, biólogo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Unviersidade de São Paulo (Esalq/USP), mestre e doutor em Ciências com ênfase em Ecologia Aplicada e atualmente pós-doutorando no Laboratório de Ecologia, Manejo e Conservação da Fauna Silvestre (LEMaC) da Esalq/USP e no Laboratório de Ornitologia de Cornell. Este ano, ele palestrou sobre este tema no Avistar.

Eduardo trouxe, sem “achismos”, alguns dados científicos de pesquisas realizadas fora do Brasil que avaliaram os impactos positivos e negativos dos comedouros nas aves e nas pessoas, com destaque ao projeto de ciência cidadã que monitora comedouros nos Estados Unidos e Canadá, o Project FeederWatch. Segundo o pesquisador, estudos científicos sobre comedouros são encontrados majoritariamente na América do Norte, Europa e Oceania, enquanto que no Brasil, apesar da grande biodiversidade, pesquisas do tipo ainda são bem preliminares (consulte as bibliografias [1], [2], [3]).

Silvana Davino – Quais seriam os benefícios de se ter um comedouro para aves em casa?
Eduardo Alexandrino – Ter um comedouro por perto, na sua casa, no seu jardim ou no local de trabalho, frequentado por aves tem sido considerado uma excelente forma de elevar o bem-estar das pessoas. Existem estudos no exterior que provaram que pessoas que têm o hábito de manter comedouros são menos estressadas e menos propensas a sofrer depressão e ansiedade, bem como desenvolvem mais respeito pela natureza. Isso ocorre pois o comedouro eleva as chances de visualizar diferentes detalhes nas aves, como cores, comportamentos e hábitos, facilitando a conexão do público com elas. No Brasil, temos estudos destacando que várias pessoas entendem que comedouros são ótimos para promover conscientização ambiental.

Silvana Davino – Quais são os riscos de alimentar aves nos comedouros? Elas podem se habituar? Há riscos de transmissão de doenças?
Eduardo Alexandrino – Vou começar respondendo sobre a habituação. Ainda é difícil generalizar que comedouros causam habituação nas aves. Antes de tudo, preciso lembrar que existem vários fatores que podem determinar a intensidade de uso de um comedouro por uma ave, como o tipo de alimento que está sendo ofertado e com qual frequência, qual é a quantidade de comedouros que existe na região, como é o ambiente que há no entorno do comedouro, como está a oferta de alimento na natureza, qual é a época do ano (frio ou calor), como é a estrutura da comunidade de aves do local, se há predadores de aves vivendo próximo do comedouro, etc. Outro ponto importante é ter em mente que “habituação” pode ser observada na “espécie” (por exemplo, no bem-te-vi, no pardal, no sanhaço, etc.), sendo que geralmente enxergamos isso através de estudos de longo prazo que focam comedouros de diversas localidades, mas, também podemos olhar habituações entre os indivíduos das espécies (por exemplo, no bem-te-vi nº 1, no bem-te-vi nº 2, etc.) quando estudamos alguns comedouros em curto prazo.

Dito isso, quando olhamos os dados do Project FeederWatch, que vem monitorando comedouros no Estados Unidos e Canadá desde 1987, já é possível ver que algumas espécies visitam comedouros com mais frequência do que outras e há algumas que até ampliaram sua área de ocorrência geográfica devido a existência de comedouros [4] [5]. No Brasil, durante a pandemia entre 2020 e 2021, vários observadores de aves ajudaram a listar quais espécies eram as mais visitas em comedouros com frutos comerciais em áreas urbanas e não urbanas. Foi interessante ver, por exemplo, que sanhaço-cinzento, sabiá-barranco e cambacica estão presentes em comedouros de diferentes pontos do Brasil (veja mais detalhes no artigo na Ornithology Research).

Graças a tais estudos, vemos que comedouros podem sim favorecer um grupo de espécies. O grande receio é que, com o tempo, gerações após gerações, algumas adquiram o hábito de passar mais tempo no comedouro do que em qualquer outro local, como num processo de domesticação. Ou seja, talvez os seres humanos de hoje não estejam percebendo claramente essas habituações nas espécies, pois ainda estamos observando o início do processo. Será que, por exemplo, sanhaços-cinzentos, sabiás-barranco e cambacicas se tornarão as novas “pombas domésticas” e “pardais” daqui 50 ou 100 anos? Pardal e pomba doméstica são espécies que, no Brasil, só ocorrem em locais habitados por humanos.

Quando olhamos para o que acontece entre os indivíduos de uma espécie, vemos que pode haver uma grande variação nessa “vontade/necessidade de usar o comedouro”. No meu projeto de ciência cidadã “Eu vi uma ave usando pulseiras!?”, desde novembro de 2019 monitoramos diferentes indivíduos marcados com anilhas coloridas visitando alguns comedouros. Hoje, sabemos que alguns indivíduos estão usando um mesmo comedouro há mais de quatro anos, enquanto outros indivíduos da mesma espécie usam este comedouro só algumas vezes. Infelizmente, não tivemos a chance de rastrear essas mesmas aves em outros locais. Ou seja, não sabemos se essas aves permanecem perto do comedouro o tempo todo ou se de tempos em tempos elas tomam seu rumo na vida, indo procurar alimentos em outros locais, e retornam ao comedouro só esporadicamente. Pena que tudo ainda está no começo e ainda temos muito trabalho pela frente.

Sobre doenças, embora no Brasil seja difícil encontrar estudos relatando aves doentes em comedouros, na Europa e América do Norte há vários que provaram que a transmissão de doenças entre aves é facilitada através dessas estruturas. Há estudos que relataram a elevação do número de casos de salmonela em humanos em pontos onde também havia casos de aves infectadas usando comedouros.

É importante mencionar que pelo comedouro ser um local cheio de comida deliciosa e com fácil acesso, algumas espécies têm o comportamento de ficar por ali por mais tempo que outras e até mesmo tentando tomar aquele local para si, gerando conflitos [6] [7] [8]. Embora várias espécies também realizem o mesmo comportamento em um recurso natural, como em uma árvore em frutificação sendo dominada por alguns indivíduos, o comedouro é geralmente um local menor (uma plataforma, por exemplo), o que eleva as chances de haver contato direto entre aves que não se tocariam com tanta frequência na natureza. Esse é um detalhe que agrava a possibilidade de transmissão de doenças entre aves.

Silvana Davino – Para quem quer ter um comedouro em casa no Brasil, quais seriam suas principais recomendações?Eduardo Alexandrino – Embora ainda não tenhamos estudos suficientes no Brasil fornecendo informações precisas sobre quais são os impactos negativos causados por comedouros, eu sigo o princípio da precaução, um argumento do Direito Ambiental que, em outras palavras, diz que se não temos certeza de que uma ação humana deixará de causar um impacto negativo grave, tomemos a providência desde o início para que nossas ações não causem tal impacto.

Portanto, geralmente recomendo atitudes que podem minimizar a possibilidade de habituação nas aves, de transmissão de doenças e de causar alguma grande confusão nas comunidades de aves que vivem na área onde será instalado um comedouro.

• Evite usar comedouros cujo formato e materiais acumulem fezes.
• Realize limpeza periódica no comedouro.
• Realize períodos de interrupções no oferecimento de alimentos como forma de prevenir habituações ou brigas exacerbadas entre as aves.
• Dê preferência por uma variedade de alimentos naturais ao invés de alimentos processados ou resto de alimentos humanos.
• Fique de olho sempre no seu comedouro! Se perceber que há aves doentes, animais indesejados aparecendo, muito acúmulo de fezes em um curto período de tempo, interrompa por uns dias a oferta de alimento. Isso forçará as aves a procurarem outros locais para se alimentarem. No caso de aves doentes, reporte o caso ao Sistema de Informação de Saúde Silvestre.

Silvana Davino – Na sua palestra durante o Avistar 2024, você deixa como mensagem importante que “para mensurar impactos causados por comedouros, somente estudos sistematizados conseguem prover respostas certeiras”. O que você quer dizer com isso? No Brasil já existe algum estudo que consiga mensurar esses impactos?
Eduardo Alexandrino – Como mencionei, existem vários fatores que podem determinar como e por quanto tempo uma ave usará o comedouro. Por esse motivo, é super necessário que vários comedouros sejam monitorados, abrangendo uma ampla gama de situações ambientais. No entanto, não dá pra monitorar cada comedouro com um método diferente, como uma pessoa ficar anotando uma vez por ano as aves que aparecem em seu comedouro dentro de São Paulo, enquanto num comedouro instalado numa reserva florestal uma câmera fica ligada 24 horas por dia, filmando e listando automaticamente todas as aves que aparecem na estrutura.

Se quisermos ter uma ideia geral dos impactos dos comedouros em larga escala, por exemplo, para o Brasil, e observar quais ações humanas nos comedouros geram impactos graves, como que tipo de comida usar, quanto alimento podemos colocar, quantas vezes devemos limpar o comedouro, etc., e em quais situações ambientais, só um monitoramento padronizado, ou também podemos chamar de “sistematizado”,  feito em vários comedouros conseguirá prover informações confiáveis.

O Project FeederWatch, que ocorre nos Estados Unidos e Canadá, é um exemplo de um estudo sistematizado em que várias pessoas participam fornecendo contagem das aves que visitam seus comedouros. Mas todos seguem uma mesma forma de contagem. Como isso ocorre em grande escala geográfica, o projeto consegue abranger comedouros em diferentes situações ambientais, elevando a chance de detectar situações gerais, como se alguma ave está com a população em declínio, se está elevando sua área de ocorrência, se há alguma doença se espalhando, etc.

No Brasil, ainda estamos longe de conseguir replicar algo que o FeederWatch faz. Mas vale destacar que durante a pandemia, o Avistar Conecta conseguiu engajar uma grande turma de observadores de aves para transmitir ao vivo pelo YouTube as aves que visitavam seus comedouros. O evento se chamava JaneLives. Na ocasião, consegui mobilizar essa turma de observadores de aves a também listar as aves que eram vistas durante as transmissões. Graças a essa participação coletiva, conseguimos pela primeira vez fazer um levantamento sem muita variação entre 42 comedouros espalhados pelo Brasil. Essa é a única iniciativa fora do Project FeederWatch que conseguiu levantar aves em comedouros em nível de nação em um mesmo momento. É uma pena que hoje em dia já não seja fácil mobilizar novos Janelives, pois depende da disponibilidade de várias pessoas.

Silvana Davino – Algumas iniciativas estão sendo realizadas no Brasil, através de seus orientandos na Esalq/USP. Você pode falar um pouco sobre isso e como as pessoas interessadas podem colaborar para esse monitoramento?
Eduardo Alexandrino – Na verdade, eu executo estudos sobre comedouros dentro do meu projeto de ciência cidadã “Eu vi uma ave usando pulseiras!?”, cuja equipe é composta por alunos de variadas instituições e voluntários em diferentes momentos de sua vida profissional. Iniciamos estudos com comedouros em novembro de 2019 e ainda estamos ativos. Em cada local, marcamos algumas aves  que foram capturadas perto de comedouros com anilhas coloridas. Cada ave recebe cores e sequências únicas, de modo que podemos identificar cada indivíduo à distância.

O projeto monitora a frequência de visitas dessas aves anilhadas no comedouro dos locais com a ajuda das pessoas que passam pelo local. Há dois locais onde os monitoramentos estão fluindo bem: a Reserva Legado das Águas, em Tapiraí (SP) e na Reserva Particular do Patrimônio Natural Trápaga, em São Miguel Arcanjo (SP). Assim, qualquer pessoa que queira nos ajudar, basta visitar um desses locais e prestar atenção se alguma ave anilhada está no comedouro. Se encontrar alguma, basta reportar ao projeto via Instagram ou Facebook.

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