Colisões de fauna na aviação e a divulgação na mídia

Biólogo e especialista em gerenciamento de risco de fauna em aeroportos e controle de animais sinantropícos nocivos. É analista de serviços tecnológicos do Senai- Firjan, membro da Associação Brasileira de Falcoaria e integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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Já imaginou como seria se, durante um voo, o avião em que você está colidisse com um pássaro, um morcego ou, mesmo nas fases de pouso e decolagem, com uma capivara ou um jacaré? Essa situação pode parecer improvável, mas é mais comum do que se pensa. É possível encontrar no site do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) o número de colisões por período e por aeroporto em todo o Brasil. Anualmente, milhares de colisões entre aeronaves e animais são registradas em todo o mundo, colocando em risco a segurança dos passageiros, tripulantes e operadores aeroportuários, além de causar enormes prejuízos econômicos e ambientais.

Como especialista em gerenciamento de risco de fauna e pelo fato de já estudar diariamente o tema há, pelo menos, oito anos, tenho notado que o número de visualizações e o alcance que tem tido os vídeos curtos em redes sociais, referente à colisão de aeronaves com fauna, está crescente. Sempre que um vídeo viraliza, aparecem ou um especialista em aviação ou em fauna, mas dificilmente vejo especialistas em fauna relacionada à aviação e, por isso, os discursos sempre trazem meias verdades.

Por parte dos especialistas em aviação predomina um tom apaziguador, dizendo que os impactos são mínimos e que esse tipo de vídeo causa pavor desnecessário na população, que já carrega um medo natural em voar. Em contrapartida, os especialistas em estudo de fauna muitas vezes não conseguem redigir textos sem o viés conservacionista. Na verdade, ambos estão certos, mas é preciso ir além e entender que o manejo com captura e translocação de algumas espécies é a melhor forma de evitar colisões com aeronaves e, assim, evitar os prejuízos listados pelos especialistas em aviação.

Os vídeos e fotos vinculadas nas mídias são sempre muito chocantes e causam uma comoção em quem vê, mas ainda assim, estamos falando do meio de transporte mais seguro do mundo. Entretanto, é óbvio que a informação da colisão entre fauna e aeronave, sem um olhar detalhado por uma equipe técnica, vai trazer essa sensação de insegurança em voar.

Colisões com fauna afetam a aviação desde seus primórdios
A primeira colisão com ave foi registrada em 1905, no diário dos irmãos Wright, pioneiros da aviação juntamente com Santos Dumont e outros ávidos aviadores contemporâneos a eles. Já, a primeira colisão com animal terrestre ocorreu em 1909, atrasando a decolagem de Louis Blériot para seu voo épico, no primeiro cruzamento do canal da Mancha. A primeira fatalidade humana ocorreu em 1912, quando o aviador Calbraith Perry Rodgers colidiu com uma gaivota e morreu afogado na Califórnia. O intervalo entre o primeiro registro de colisão e primeira perda de vida humana foi menos de 10 anos, mas sem dúvidas muitas vidas animais e prejuízos financeiros foram se acumulando nesse período.

Desde então, as colisões com fauna se tornaram cada vez mais frequentes e graves, acompanhando o crescimento e a diversificação da aviação civil e militar, o que não era difícil de imaginar, pois temos cada vez mais aeronaves no ar e elas cada vez mais rápidas e silenciosas, não permitindo tempo de reação suficiente para as aves. No entanto, as informações sobre perdas de vidas humanas são um pouco desencontradas, mas acredita-se que mais de 400 pessoas tenham perdido a vida devido à colisão com fauna na aviação.

Segundo dados da International Civil Aviation Organization (ICAO), entre 2011 e 2014 foram reportados mais de 65 mil incidentes com fauna em 182 países. No Brasil, segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), entre os anos de 2008 e 2017 foram registrados relatos de nove acidentes, 11 incidentes graves e 14.692 incidentes envolvendo colisões com fauna. Mas sabemos que esses dados estão bem abaixo da realidade, pois não há uma política de reportes sistematizados.

E esses números não refletem toda a dimensão do problema, pois há muitas limitações e desafios para coletar, analisar e comparar as informações sobre esse tipo de colisões. Para se ter ideia da complexidade, algumas dessas limitações são:

– dificuldade de padronização e registro dos incidentes nos diferentes países;
– cultura de baixa taxa de reporte por um entendimento errado da importância das divulgações dos dados;
– baixo investimento em equipes especializadas em identificação de fauna e entendimento da ecologia dos animais envolvidos e com capacidade de transmitir, de forma palatável, esses dados para comunidade em geral.

Diante dessas limitações, é difícil estimar com precisão os custos diretos e indiretos das colisões com fauna na aviação. Os custos diretos são aqueles relacionados aos danos físicos causados às aeronaves, aos reparos necessários, à perda de carga ou combustível, ao resgate ou remoção dos animais e às multas ou indenizações por danos ambientais. Os custos indiretos são aqueles relacionados aos atrasos ou cancelamentos de voos, à perda de receita ou lucro, à perda de imagem ou reputação, ao aumento do seguro ou dos impostos, à redução da capacidade operacional dos aeroportos e à perda de confiança dos passageiros.

Segundo o Cenipa, no período de 2011 a 2016, o custo médio anual de colisões com fauna no Brasil foi de US$ 65 milhões. Considerando apenas os custos diretos, a nível mundial, esses valores podem chegar à casa dos dois bilhões de dólares anuais, em custos diretos. No entanto, alguns estudos internacionais sugerem que os custos indiretos podem ser até 20 vezes maiores do que os custos diretos, dependendo do tipo de aviação e de fauna envolvidos. Além disso, há custos ambientais e sociais, como a perda de biodiversidade, o risco de transmissão de doenças, o sofrimento dos animais e o impacto na qualidade de vida das comunidades – essas últimas não são possíveis mensurar.

Esse risco é um problema global que exige soluções integradas. Ao reconhecermos a importância desse tema para a conservação da biodiversidade, a segurança da aviação e o desenvolvimento sustentável, são necessárias ações e medidas preventivas e mitigadoras do risco de fauna nos aeródromos e nas áreas adjacentes.

Além disso, torna-se primordial o investimento em equipes de biólogos e veterinários capacitados no entendimento da dinâmica da aviação e em ecologia das espécies que vivem no entorno dos aeroportos. Esses profissionais também precisam estarem dispostos a tornar público os dados referentes à colisão com fauna de forma que seja facilmente entendido pela população.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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