Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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Um dos assuntos que mais trazemos aqui é a necessidade de redução dos impactos causados pelas rodovias à fauna. São muitas dúvidas em relação às medidas mitigadoras e se elas, de fato, funcionam. Um aspecto que já tratamos em relação a esse assunto é a importância de monitorarmos e avaliarmos as estruturas instaladas, pois só assim conseguiremos respostas que nos permitirão avançar no desenvolvimento de estruturas para a mitigação dos impactos.
Um estudo recentemente publicado avaliou os efeitos da instalação de cercas na redução de mortalidade de uma espécie de cervo na Flórida, nos Estados Unidos. A espécie-alvo do trabalho é o cervo-de-Flórida-Key (tradução livre para Florida Key deer – Odocoileus virginianus clavium –, nome que se refere a uma parte do estado da Flórida), que é ameaçada de extinção no país e tem uma distribuição muito restrita. Os pesquisadores monitoraram as mortes por atropelamento antes da instalação das cercas (entre os anos de 1991 e 2000) e após a instalação (entre 2003 e 2016) para avaliar a influência delas na redução das mortes. Além da instalação de cercas em ambos os lados da estrada, dentro do trecho mitigado também foram construídas duas passagens de fauna (para permitir o movimento dos animais entre os lados da estrada) e mata-burros (para evitar que os animais entrem no trecho cercado pela estrada).
Os resultados encontrados foram muito interessantes, pois as cercas se mostraram efetivas em reduzir o número de mortes no trecho em que foram instaladas, quando comparados a trechos sem cercas. Além disso, foi possível visualizar que os cervos estão usando as passagens para cruzar por baixo da estrada – embora ainda sejam necessários mais estudos quanto a essas estruturas.
Entretanto, um resultado encontrado pelos autores chamou a minha atenção. Embora as cercas reduzam as mortes no contexto geral da área de estudo, em um local específico da estrada houve um aumento do número de animais mortos. O trecho após o final das cercas passou a registrar agregação de fatalidades. Esse efeito (“efeito final de cerca”), embora brevemente, já vem sendo discutido na literatura e merece mais atenção. É importante pensarmos em alternativas para guiar os animais para caminhos seguros de travessia – como instalação de estruturas de travessia no final da cerca ou ainda planejar o comprimento das cercas até locais que impossibilitem os animais de cruzar. Não há uma resposta pronta para solucionar esse problema, inclusive por ser algo ainda pouco discutido e avaliado. Mas devemos começar a pensar no “efeito final de cerca” durante o planejamento de mitigações para não reduzirmos um problema e causarmos outro.
Sem o monitoramento e a avaliação da efetividade da instalação das cercas nesse estudo não seria possível concluir que as cercas são efetivas para reduzir os atropelamentos, mas que medidas precisam ser tomadas para evitar que o problema do final da cerca continue. Esse trabalho é mais um exemplo da importância das avaliações das medidas de mitigação, ainda mais se pensarmos que temos muito a aprender sobre como as mitigações funcionam e se elas cumprem com os objetivos para os quais são propostas.
É fundamental que haja um planejamento para redução dos impactos das estradas e nele deve estar contido os estudos após as instalações das mitigações. Lembrando que os recursos investidos em mitigação são altos e avaliarmos o quanto as medidas são efetivas garantem que, no futuro, não investiremos capital em estruturas ineficazes para reduzir os impactos.
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