Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena
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Os Cetras são instituições que recebem, tratam e destinam animais silvestres, cuidando dos animais como indivíduos e desse bem ambiental; têm responsabilidades éticas e legais; são ferramentas ou equipamentos que têm sua função principal no cuidado, recuperação e destinação dos animais que estão sob seus cuidados.
Dessa forma, para o seu cotidiano normal, pode parecer que a atribuição de ferramenta prática, como uma máquina – com uma entrada (de animais), mecanismos internos de atendimento, nutrição e reabilitação, e uma saída desses animais (mais ou menos recuperados, reabilitados) para a destinação mais adequada -, dá a entender que os Cetras são apenas isso.
Sem dúvida nenhuma, os Cetras têm o seu papel como equipamentos específicos de cuidado aos animais silvestres, fato que, pelo predomínio da demanda, energia e de material para cumprir esse papel, pode concentrar a maior parte das atribuições de um centro de triagem. Contudo, acredito, pela minha experiência nesses ambientes, que os centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres podem, também, adquirir e desempenhar papeis mais abrangentes e profundos. Nesse aspecto, os Cetras podem projetar para a sociedade uma importância crescente em relevância e complexidade, muito maiores que o senso comum pode presumir, suplantando o conceito de equipamento ou ferramenta prática de cuidados com o recurso ambiental faunístico, o que, em si só, já é muito relevante e imprescindível.
As possibilidades destes papéis mais amplos de centros de triagem são muito diversos. Vamos comentar alguns deles e usá-los para ilustrar essa nossa ideia.
Podemos começar lembrando o tema do artigo de agosto de 2019, “A difícil tarefa de trazer de volta à vida!“, em que mostramos o protagonismo do Cetas do Ibama de Goiás a frente de um projeto de reintrodução de uma espécie de ave, o bicudo (Sporophila maximiliani), extinta em várias partes do nosso país. Nesse caso, os colegas de Goiás, em parcerias com centros de pesquisa e outras instituições, ampliam suas atividades cotidianas de receber, cuidar e destinar os animais, aceitando a difícil tarefa de contribuir para o restabelecimento de populações naturais e saudáveis dessa espécie tão ameaçada.
Nessa mesma linha, sendo ou não protagonistas nesse tipo de desafio, os Cetras podem, também, estar relacionados a outros projetos de manejo de certas espécies ameaçadas. Pela especificidade dos centros de triagem, seus equipamentos e expertíse podem ser úteis no cuidado de lotes e grupos de animais que estarão relacionados a programas de manejo, translocações ou outras ações relacionadas à proteção de espécies fragilizadas.
Continuando com o raciocínio, poderíamos perguntar: “os Cetras podem ampliar suas atribuições realizando atividades educativas e de conscientização ambiental?”
Em pronta resposta, também podemos lembrar dos trabalhos de Cetas em importantes projetos de educação ambiental. Um exemplo maravilhoso que pode ser mencionado é o Projeto Liberdade e Saúde, realizado pelo Ibama do Piauí, mas gestado dentro da equipe do Cetas do Instituto daquele estado. São ações educativas realizadas e propostas como multiplicadoras para outros educadores ambientais, que foram iniciadas dentro de um Cetras.
De novo, o exemplo citado acima é propagado em outros centros pelo Brasil, em que Cetras contribuem como força educadora e multiplicadora.
Os Cetras, mediante ao fato de receber milhares de animais silvestres das mais diversas origens e situações, são ambientes geradores de muitos dados e números, recursos preciosos para a produção de conhecimento técnico e científico. Nessa situação, a própria equipe dos centros podem agir como integradores racionais desses dados ou, o que é muito interessante, produzi-los em parceria com a academia: centros de pesquisa e universidades. Como exemplo, pode-se citar a parceria do Cetas do Ibama do Rio Grande do Sul com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com mútua vantagem para ambas. Nesse caso, conhecimento científico sendo produzido a partir das ações no Cetras, que passam a ser, então, centros de produção de conhecimento para a sociedade.
Esses poucos exemplos mostram que os Cetras podem e devem extrapolar as suas funções corriqueiras ou cotidianas, ampliando as suas atividades maquinais ou mecânicas e fazendo a diferença. Eles não são apenas equipamento, mas também elementos pensantes e instituições geradoras, realizadoras e multiplicadoras de excelentes experiências criativas, relevantes e imprescindíveis para a sociedade.
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