Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
As alterações ambientais ocasionadas pelo crescimento urbano desordenado, desmatamento, queimadas, conversão vegetacional para atividades agropecuárias, implantação de estruturas lineares (estradas e ferrovias, por exemplo), entre outras, resultam em uma maior interação e aproximação entre seres humanos, animais domésticos e animais silvestres. O desmatamento em massa amplia os riscos de doenças, pois a quebra de ciclos ecológicos resulta no aumento de populações de espécies conhecidas por hospedar doenças transmissíveis aos humanos, como morcegos e roedores, além do contato direto e indireto com a fauna.
São inúmeras as doenças descritas que acometem a fauna silvestre devido as ações antrópicas e o contato com animais domésticos. Recentemente (2021), foi publicado um estudo de análise genômica do poxvírus em ouriço-cacheiro (Coendou longicaudatus boliviensis), um roedor arborícola e noturno, distribuído amplamente pelo território brasileiro e países da América do Sul. Os poxvírus são os mais conhecidos e foram os primeiros vírus a serem estudados, sendo os Orthopoxvirus (gênero da família poxvírus) os causadores da varíola, doença erradicada nos anos de 1980.
No início do ano de 2022, um jovem ouriço-cacheiro foi encaminhado ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO), resgatado caído em via pública, apático e apresentando aspectos clínicos de secreção mucopurulenta expurgada pelas narinas e formação de placas espessas e consistentes no plano nasal e ocular. Diante desses aspectos, suspeitamos de infecção por poxvírus, confirmada pelos exames laboratoriais.
Após o diagnóstico, o tratamento administrado foi a antibioticoterapia, utilizando azitromicina via oral durante sete dias, pomada Regencel em ambos os olhos por 40 dias e pomada Neomicina no focinho por 30 dias. O animal encontra-se em reabilitação e passará por novos exames para analisar a efetividade do tratamento e o nível carga viral.
São ainda escassos os estudos relacionados ao poxvírus em ouriço-cacheiro. No entanto, os autores do trabalho publicado em 2021 relatam que veterinários observaram os sinais clínicos característicos da doença em ouriços de vida livre. Supõe-se que o vírus porcupinepox brasileiro (BPoPV), nomenclatura de espécies de varíola recomendada pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus, pode ser um patógeno comum para a espécie e comprometer a sua conservação.
No ano passado, além do trabalho relacionado ao poxvírus em ouriços, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (UEC) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB) publicaram um trabalho com uma nova espécie de ouriço-cacheiro (Coendou longicaudatus) e duas subespécies: uma encontrada na Amazônia (Coendou longicaudatus longicaudatus) e outra no Cerrado e Pantanal (Coendou longicaudatus boliviensis). Os trabalhos referentes ao poxvírus em ouriços foram descritos apenas com indivíduos do Cerrado, porém, são necessários mais estudos para uma possível identificação desse patógeno nos biomas Amazônia e Pantanal.
Diante de tais informações, é extremamente importante os cuidados para manejar animais silvestres, principalmente indivíduos que apresentam alterações clínicas visíveis sinalizando possíveis infecções. O ouriço-cacheiro atendido no Cetas de Catalão foi resgatado num bairro da cidade, onde em seu entorno há um corredor de mata que se conecta com outras áreas verdes do município. Essa aproximação configura-se como uma possível forma de contato dos patógenos com seres humanos e animais domésticos, portanto, o manejo de espécies silvestres deve ser realizado por profissionais, seguindo as normas de biossegurança.
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