Por Vanessa Vidal
Bióloga, mestra em Zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Integrante do Grupo de Estudos de Artrópodes da Amazônia – GEAA (Instagram e Facebook)
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Não, caro leitor, suas aulas de biologia não estavam erradas: as aranhas realmente não têm ouvidos! Entretanto, tem-se descoberto cada vez mais a capacidade da audição não timpânica nesses animais.
As popularmente chamadas aranhas-cara-de-ogro (ogre-faced spiders) pertencem à família Deinopidae Koch, 1850 e estão presentes em quase todos os lugares do globo, exceto Europa e Antártica. Essa família apresenta 67 espécies, distribuídas em três gêneros – Asianopis Lin e Li, 2020, Menneus Simon, 1876, Deinopis MacLeay, 1839 – e seu nome advém de um par de enormes olhos frontais, que lembram os ogros das histórias. E você, acha que são parecidos? Para quem não sabe, a aranha é a da esquerda (pegou a referência do meme?)
Uma pesquisa realizada em 2020 por Jay Stafstrom e colaboradores de várias universidades dos Estados Unidos estudou indivíduos da espécie Deinopis spinosa e descobriu, após vários experimentos em laboratório e na natureza, que eles apresentam uma ampla capacidade de captar vibrações a mais de dois metros de distância, graças a receptores neurais presentes nas pernas, que levam a informação por todo sistema nervoso.
A audição não timpânica já era conhecida em algumas aranhas da família Salticidae (conhecidas como aranhas-papa-moscas), através de tricobotrias (cerdas ligadas a nervos) presentes nas pernas, que percebem movimentações de baixa frequência, como o bater de asas de insetos, o que ajuda na captura da presa. A novidade em Deinopis spinosa é que além de baixa frequência, eles também percebem barulhos de alta frequência, como o gorjeio de pássaros, o que ajuda a não virar comida!
Além de sua poderosa visão noturna e “audição”, as aranhas-cara-de-ogro ainda apresentam uma forma curiosa de pegar sua presa. Elas caçam penduradas na vegetação e, ao notarem a “comida”, a capturam com uma rede pegajosa de teia que seguram com suas pernas dianteiras! Elas conseguem até capturar presas que estão atrás delas, graças à “percepção auditiva”! E isso pode ocorrer em uma velocidade média de 60 m/s!
Além de nos ajudar a entender a evolução de técnicas auditivas, descobertas como essas são muito importantes até do ponto de melhoria de tecnologias para a detecção de sons, como para a aplicação em microfones hipersensíveis, podendo criar dispositivos para detecção de um som específico no meio de muitos outros, como afirma Stafstrom. O cientista ainda considera que as aranhas-cara-de-ogro “evoluíram para serem realmente boas nesse comportamento estranho” e “talvez possamos imitar isso de alguma forma”.
E o que falar depois disso tudo além de VIVA A CIÊNCIA!
Referências
– Audição apurada é a principal característica das aranhas-cara-de-ogro — mesmo sem orelhas. National Geographic, 2020. Disponivel em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/animais/2020/10/audicao-apurada-e-a-principal-caracteristica-das-aranhas-cara-de-ogro. Acesso em: 01 de Agosto de 2021.
– Shamble, P. S. et al. 2016. Airborne Acoustic Perception by a Jumping Spider. Current Biology, 26: 21, pp. 2913-2920. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cub.2016.08.041.
– Stafstrom, J. A. et al. 2020. Ogre-Faced, Net-Casting Spiders Use Auditory Cues to Detect Airborne Prey. Current Biology, 30, pp. 5033-5039. DOI: 10.1016/j.cub.2020.09.048.
– World Spider Catalog 2021. Família Deinopidae. Disponível em: https://wsc.nmbe.ch/family/25/Deinopidae. Acesso em: 01 de Agosto de 2021.
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