Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Já faz algum tempo que eu planejava visitar uma área que registrasse a presença do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus), uma espécie rara e bastante ameaçada de primata. Endêmico da mata atlântica do interior do estado de São Paulo, esses micos já foram considerados extintos da natureza por muitos anos e, ainda hoje, a situação da espécie é grave, sendo listada no Red List da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como criticamente ameaçada de extinção.
Eu já conhecia o belo programa do Ipê – Instituto de Pesquisas Ecológicas no Pontal do Paranapanema para a conservação dos micos-leões-pretos, até que tomei conhecimento do trabalho de um casal de biólogos, a Laura Romano e o Vinícius Salomão, para a proteção dos primatas dessa espécie que vivem na APP (Área de Preservação Permanente) da Fazenda Garibaldi, em Buri, no sudoeste paulista, a uns 240 km da capital. A região é uma área de transição entre Mata Atlântica e Cerrado.
O tipo predominante de mata atlântica na região é a floresta estacional semidecidual, local de ocorrência natural do mico-leão-preto – que historicamente ocorria em quase toda a extensão entre os rios Tietê e Paranapanema. Quem me explica é o biólogo Vinícius Salomão, enquanto me guiava no meio da mata em busca de um bando de micos, na minha visita à fazenda no começo deste mês. Ele me conta que a população desses animais é estimada em cerca de 40 indivíduos na região, mas que ela é variável.
De acordo com os biólogos, a maior ameaça à diversidade na área são a perda e a fragmentação do habitat. “Na região, há grande investimento em plantios de pinus e eucalipto, além do cultivo de cereais e citros, atividades que abastecem a economia da cidade e, ao mesmo tempo, contribuem para o cenário de degradação ambiental presente”, dizem, informando que hoje restam apenas 6,11% da mata atlântica original no município. “São remanescentes naturais com grande comprometimento de qualidade de habitat, intensamente antropizados e fragmentados”, concluem.
Em seu trabalho pela conservação dos micos e da biodiversidade local, além do monitoramento e do levantamento da população dos animais, os biólogos recebem visitantes, interessados em conhecer os micos e outros animais silvestres que vivem na área, em uma experiência de ecoturismo. Para isso, reforçam a divulgação sobre as pesquisas e os animais nas redes sociais, com muitas imagens, que chamam a atenção do internauta; e ainda planejam um programa de educação ambiental a ser desenvolvido nas escolas da região, quando o fim da pandemia do novo coronavírus assim o permitir.
“O interesse por animais silvestres é genuíno em nossas vidas. Desde criança, sonhávamos em trabalhar a campo com animais selvagens, sendo que outra aspiração conjunta era trabalhar com a medicina da conservação, o que nos encorajou a iniciar uma segunda graduação, em medicina veterinária”, conta Vinícius, sobre sua vocação e a de Laura.
Dentro de seu trabalho científico para a conservação dos micos, Vinícius e Laura atualmente mantêm parcerias com universidades no desenvolvimento de projetos acadêmicos e ainda com o Laboratório de Primatologia (LaP) do campus de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Trata-se de um grupo de pesquisa com interesse em entender como as atividades antrópicas (aquelas que são desenvolvidas pelo homem) afetam as comunidades de primatas e os serviços ao ecossistema, que atua com foco no mico-leão-preto em toda a região.
Potencial do turismo
Paralelamente aos projetos de pesquisa desenvolvidos desde 2016, a dupla de biólogos ainda investe no fomento do turismo de observação de fauna, com destaque para o mico-leão-preto, “um dos primatas mais raros e ameaçados do mundo”, e parentes do mico-leão-dourado, que tanta visibilidade já ganhou na mídia após ter quase sido extinto na natureza. Entendem a atividade como uma ferramenta poderosa de educação ambiental.
“Acreditamos que o turismo representa uma das ferramentas de maior potencial na conservação de espécies ameaçadas. Além disso, trabalhamos a conscientização ecológica e, prioritariamente, a sensibilização da população, por meio da fotografia”, afirma Vinícius.
“Adicionalmente, trabalhamos com educação ambiental com as comunidades do entorno da nossa área de atuação”, completa o biólogo, lamentando que ainda ocorra a prática da caça na região e apostando na informação e na educação como armas valiosas para tentar mudar essa prática.
A pandemia fez, no entanto, com que muitas dessas atividades na comunidade fossem interrompidas ou adiadas. “Um de nossos novos projetos de educação ambiental consiste na conscientização da população em geral e, em especial, jovens e crianças do município”, dizem.
Para integrar e engajar a comunidade local ao seu trabalho, entra novamente o turismo: seu fortalecimento, que beneficia e gera renda na região, levando a população a valorizar a presença dos animais silvestres. “Nossas ações são pautadas objetivando a promoção do empreendedorismo e do empoderamento de grupos menos favorecidos, visando à capacitação técnica e científica da população para fundamentar o desenvolvimento turístico do município”, explica Vinícius. “Adicionalmente, buscamos despertar o senso ecológico e preservacionista na população, para que entendam a importância da Ciência e da conservação, para eles e para o planeta”, completa.
“E onde entram as redes sociais?”, canais pelos quais tomei conhecimento do trabalho deles atraída pelas lindas fotos dos micos.
“Elas são hoje o principal meio de divulgação do nosso trabalho”, afirmam Laura e Vinícius. “Por meio da divulgação de nossas atividades e da publicação de fotografias, temos excelentes feedbacks de pessoas que anteriormente não possuíam interesse em assuntos ambientais e hoje ficam encantadas por esse meio. Sem dúvida, essa é uma forma pela qual podemos atingir um maior número de pessoas e ainda estreitar laços com quem se interessa pela conservação ambiental”, completam.
O maior público da Fazenda Garibaldi ainda é o ecoturista estrangeiro, que tem mais tradição na apreciação da natureza. “Recebemos hóspedes de diferentes partes do mundo, com o único propósito de observar o mico-leão-preto livre na natureza. Vivenciar essa experiência, sem dúvida, suscita em uma pessoa um sentimento especial, como a integração com uma causa ambiental, no caso a preservação do mico-leão-preto e de todo o habitat em que ele está inserido”, afirma Vinícius, sonhando em encantar também o público brasileiro para a causa dos micos.
Livros
O meu interesse por primatas já não é de hoje. Apoiadora do Projeto Mucky, entidade que se dedica a acolher e tratar primatas vítimas do comércio ilegal, atropelamentos, eletrocussão, caça etc., no interior de São Paulo, sou uma das autoras da obra Primatas no Brasil – Cada Macaco no Seu Galho, lançado em 2015 pela Editora Avis Brasilis.
A outra autora do livro é a publicitária Lívia Bótar, fundadora do Projeto Mucky, que publicou dois livros infantis tendo os primatas como personagens, para conscientizar as crianças sobre a importância de proteger esses animais e reforçar que eles não são pets. A venda desses livros ainda ajuda a manter as atividades da entidade.
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