Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Consultor ambiental, especialista em monitoramento de fauna e perito ambiental. Foi conselheiro da Sociedade Brasileira de Ictiologia e da da Comissão Mista de Espécies Introduzidas do Ministério do Meio Ambiente/Sociedade Brasileira de Ictiologia (MMA/SBI)
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O crescimento populacional gera escassez de recursos e exploração do ambiente, que por sua vez geram a deterioração da qualidade de vida. Dada as atuais taxas de crescimento populacional é impossível fazer projeções para o futuro. Alguns estudos mais pessimistas afirmam que haverá uma estabilização no crescimento populacional por volta de 2100, com uma população de 15 bilhões de pessoas, duas vezes e meia a mais que a população atual. Para corroborar com esta previsão, estudos apontam que, na maioria dos países, as taxas de natalidade continuam excedendo as de mortalidade, ou seja, mais seres humanos dividirão a mesma fatia do bolo.
Não podemos nos esquecer que quase cinco dos atuais seis bilhões de seres humanos estão nos países do chamado Terceiro Mundo e que mais de noventa por cento deles vivem em condições de pobreza ou miséria. São nesses locais que a tragédia ambiental está atrelada à tragédia humana. Vivemos numa sociedade em que a população cresce mais que os recursos e a competição por esses recursos vem aumentando ano a ano.
A discussão sobre exaustão de recursos naturais apresenta duas vertentes de análise, uma financeira e outra social, que irão determinar sua velocidade de exploração. A primeira centra-se na maximização de lucros financeiros, a segunda no bem estar social, que não é um senso comum entre os diferentes grupos de interesses. Para alguns, a mensuração é feita via renda, para outros há de se levar em consideração fatores subjetivos, que são difíceis de serem quantificados monetariamente. Assim, o gerenciamento de qualquer estoque natural (ou capital natural) pode ter objetivos diversos, como explorá-lo de forma a maximizar os lucros de curto prazo; explorá-lo para obter uma renda sustentável; explorá-lo o mínimo no sentido de preservá-lo e não explorá-lo a fim de conservá-lo, mudando os atuais padrões de consumo da sociedade e passando necessariamente pelo seu uso sustentável.
É indiscutível que o crescimento econômico é necessário enquanto variável fundamental para a melhoria da qualidade de vida. Também não deixa de ser verdade que esse processo tem tido conseqüências devastadoras sobre o meio ambiente.
Aparentemente inconciliáveis, as duas questões protagonizam um constante jogo de forças que coloca de um lado aqueles que dissimuladamente sobrepõem os interesses econômicos aos restantes e de outro os que defendem a conservação da natureza. No nível de tomada de decisões, a prioridade tem sido atribuída ao primeiro grupo, revelando-se o segundo mais fraco com os seus argumentos de proteção ao ambiente.
Mas essa regra está mudando, quando novas informações são produzidas e o conhecimento sobre o recurso manejado passa a atribuir à sociedade como um todo a responsabilidade de proteger todas as formas de vida. Essa mudança de mentalidade, com o propósito de cultivar uma consciência ecológica, é um processo moroso e de difícil planejamento porque envolve o esforço contínuo ao longo de várias gerações. No curto prazo, a resposta mais viável é o incentivo ao desenvolvimento de alternativas que permitam minimizar o efeito da atividade humana sobre os recursos exauríveis.
De certo modo, as previsões pessimistas sobre a exaustão dos recursos naturais têm um impacto positivo sobre a preservação desses recursos, na medida em que modificam as expectativas no sentido de aumentar as medidas de conservação, diminuindo a velocidade de exploração, levando à descoberta de novas tecnologias e de processos mais eficientes em termos de utilização do recurso, tornando-os disponíveis para gerações futuras.
Os tipos de concessões para exploração de determinado recurso, bem como outras regulamentações governamentais, modificam expectativas e influenciam diretamente na velocidade de exploração do recurso. Assim, a conservação dos recursos naturais envolve custos sociais, ambientais e econômicos e cabe à sociedade decidir como e por quem eles serão absorvidos.
O gerenciamento dos recursos naturais, que poderiam ser tratados como capital, uma vez que geram um rendimento, necessita de um instrumento analítico independente dos objetivos dos grupos de interesse. Assim, o uso sustentável dos recursos pesqueiros é um dos mais complexos desafios das ciências ambientas.
Com o propósito de subsidiar uma discussão mais profunda, revisitamos alguns conceitos vinculados ao uso sustentável destes recursos: recursos renováveis e não-renováveis, regime de propriedade e ordenamento pesqueiro.
É bom elucidar que quando se fala em recurso natural, considera-se tanto o recurso renovável como o não-renovável. E que a distinção entre recurso renovável e não-renovável não é mais considerada tão clara, explica Devlin & Grafton, como o foi na década 50, quando se relacionava ao recurso não-renovável à escassez. Ou seja, as características distintivas dos dois conceitos são cada vez são mais imprecisas e ainda há técnicos que as utilizam de forma equivocada (DEVLIN& GRAFTON, 1998)
Escassez, rigidez locacional e estocagem eram consideradas características dos recursos não-renováveis, mas nem sempre o são na verdade. O ouro, por exemplo, já foi considerado um recurso mineral raro, mas na atualidade, pelo aumento das reservas conhecidas, pelo decréscimo das funções de uso, pelo avanço tecnológico que permite a exploração e rentabilidade de depósitos antes considerados não econômicos e/ ou tecnicamente inviáveis, começa a ser considerado um recurso abundante (GAVALDA et. al, 1995).
A rigidez locacional é uma característica de grande parte dos recursos não-renováveis, particularmente daqueles, de formação primária. Os de formação secundária, no caso do ouro, os alúvios, colúvios e elúvios, não possuem essa rigidez.
No caso do recurso renovável, estes já foram considerados abundantes, e hoje determinados tipos de recursos da flora e fauna, e aqui inclui os peixes, por exemplo, não possuem este atributo. Pode-se dizer que uma das principais preocupações relacionadas com o recurso renovável é exatamente a escassez e a preservação da qualidade do produto. Uma das características desse tipo de recurso, o renovável, é por vezes, a mobilidade, como é a fauna, mas os recursos da flora não possuem esse atributo.
Definem-se duas outras características diferenciadoras. A primeira seria a “reprodutividade” dos recursos renováveis. Esse traço diferenciador existe de fato para alguns dos recursos renováveis, mas, por exemplo, para a água e ou ar essa característica perde valor, como parte integrante de uma outra categoria, os “Resource Flows” (KAHN,1998)
Acerca do conceito de reprodutividade, outra consideração que necessita ser feita é que apesar de o “mineral não dar duas safras”, como é usual dizer, a formação de depósitos e jazidas é um processo contínuo, o que significa que a consequência da não reprodutividade, que seria o esgotamento do recurso, não ocorreria caso se usasse o(s) recurso(s) a um ritmo inferior à sua capacidade de formação e “regeneração”. Os minerais se formam, todavia, a um ritmo muito lento. O seu tempo é o geológico não o humano. Nesse ponto do debate é necessário entrar com um argumento empírico: se a reprodutividade é a característica que garante a abundância e a não-extinção, por que são exatamente os recursos reproduzíveis, como os peixes, que estão ameaçados de extinção?
É interessante constatar o papel da variável tecnológica no processo de aumento ou diminuição dos estoques dos recursos renováveis e não-renováveis. Caso se compare essa variável para ambos os tipos de recursos, pode-se constatar que o impacto é o oposto. No caso dos recursos renováveis, o desenvolvimento tecnológico levou a uma velocidade de utilização que colocou em perigo de extinção grande parte das espécies, como afirma Khan (1998). E no não-renovável, a um incremento da extração, e conseqüentemente, a um aumento das reservas e estoques.
A segunda característica seria a capacidade de geração de serviços ambientais que teriam os recursos renováveis. Ou seja, para além de fornecer “bens”, esses recursos desempenham funções ao equilíbrio do ecossistema e a sua utilização depredadora geraria externalidades. Já os não-renováveis não teriam essa capacidade e, ao contrário, somente gerariam externalidades motivadas pelo processo de extração.
Esta última característica distintiva pressupõe que a forma de extração dos recursos não-renováveis será sempre a que agora se conhece. Explique-se melhor: quando se afirma que o recurso não-renovável não presta serviços ambientais, não significa que os minerais não tenham inúmeras funções relacionadas com o equilíbrio físico/químico dos solos, por exemplo, ou ainda, com a qualidade e a limpeza da água, entre outras.
O que se constata é que o depósito que está sendo ou poderá ser extraído não presta qualquer serviço ambiental. E esse fato é verdadeiro. Por duas razões: a primeira é que a área trabalhada é diminuta em relação à superfície da Terra e a quantidade de massa rochosa extraída é ínfima se comparada à existente na crosta terrestre e, nesse sentido, se poderia desprezar os serviços ambientais prestados por esses recursos. A segunda razão é que todo o depósito mineral é uma anomalia da natureza e é exatamente esta “anomalia” que se pesquisa e se extrai. Isso porque, por uma série de razões físico/químicas e mecânicos, determinados minerais se acumulam, formando depósitos que, existindo viabilidade técnica e econômica para a sua extração, virarão futuras minas. E esta concentração de minério não presta serviços ambientais significativos, ao contrário dos minerais disseminados.
Então, se poderia concluir que, a grande característica diferenciadora entre recurso renovável e não-renovável é a prestação de serviços ambientais? Considera-se que não. Para demonstrá-lo é necessário extremar o raciocínio. Caso a extração mineral ocorresse de forma diferenciada, ou seja, visasse a ocorrência mineral disseminada e não a concentrada, como se mostrou acima, qual seria a conseqüência, por exemplo, da eliminação do fosfato, do ferro, do cobre e de tantos outros minerais da superfície da Terra. Como isso afetaria o ecossistema?
O que está se tentando explicar, é que o mineral por si tem uma função, presta serviços ambientais. Todavia, o mineral concentrado, enquanto recurso, ou seja, extraível e com valor econômico na atualidade (é importante temporalizar, pois recurso é um conceito histórico), que é objeto da atividade mineral, não presta absolutamente qualquer serviço ambiental. O que não significa que o que hoje não é considerado um recurso, o mineral disseminado, pela impossibilidade de extração, pela tecnologia conhecida ou pela inviabilidade econômica, não seja no futuro considerado o único recurso mineral disponível.
A mineração tem vários exemplos desse fenômeno na sua história – é certo, não de forma tão extrema como a que aqui foi apresentada.
O que é relevante avaliar, então, no referente à prestação de serviços ambientais dos recursos não-renováveis, não é se aquela forma de ocorrência do minério presta algum serviço ambiental, mas se o minério em si, independentemente da sua forma de ocorrência, presta serviços ambientais. E neste caso, a resposta é positiva.
A importância de tais esclarecimentos conceituais para o tema em epígrafe é dupla: em primeiro lugar levanta a questão de ter-se uma classificação de recurso que não possui características diferenciadoras e em segundo lugar a necessidade de identificação das características dos recursos para a adoção de instrumentos reguladores eficientes. A literatura do Acesso Livre (Open Access) relaciona esta teoria basicamente aos chamados recursos renováveis, exatamente pelas características deste tipo de recursos.
A literatura representada por Stevenson (1991)], Devlin & Grafton (1998) e Hanna & Munasingue (1995) é pacífica ao considerar que as características do recurso são variáveis a serem levadas em conta para a opção do regime de propriedade, que viabilize o uso sustentável do recurso na direção de um uso com limites, coordenação e preservação das condições ambientais.
É interessante constatar que, todavia, abandona-se a classificação de recurso natural renovável e não-renovável para se considerar as características específicas do recurso, e é com base nessas características que se analisa a pertinência ou não de um regime de propriedade em relação a outro. O que está se tentando concluir é que a classificação de recurso renovável e não-renovável não interfere na opção do tipo de regime de propriedade que é mais adequado ao uso sustentado do recurso.
Uma conseqüência lógica desse raciocínio parece ser que se pode e devem-se aplicar as teorias relacionadas ao Acesso Livre, desenvolvidas para os recursos renováveis, aos não-renováveis. Pode-se afirmar, talvez, que grande parte das teorias relacionadas aos recursos renováveis dá conta na realidade dos não-renováveis.
Apesar de não ser este o tema desta proposta, e que inclusive poderia dar origem a uma interessante dissertação, se ousaria extrapolar o raciocínio e afirmar que na atualidade se necessita de uma classificação diferenciada para os recursos naturais.
A classificação acima discutida, na verdade, correspondeu a uma fase histórica, que se reporta aos anos 50, quando se apercebeu, pela primeira vez, da importância estratégica dos recursos. E esta valorização começou exatamente pelos não-renováveis, motivada pela contribuição deste tipo de recurso ao processo de desenvolvimento e militarização.
A hipotética escassez de qualquer destes recursos, o transformaram num recurso estratégico, sujeito a uma política e regulamentação especiais. A história recente indica, ao contrário, que o recurso realmente estratégico, pois daí depende a sobrevivência da espécie humana, é o chamado recurso renovável.
Não será que se está necessitando de outra classificação dos recursos, que em vez de valorizar uns recursos em detrimento dos outros, apreenda as suas reais características, visando subsidiar análises para o uso sustentável dos mesmos?
Sob a ótica econômica Marrul Filho (2003) afirma que “as populações de peixes são tratadas como recursos naturais renováveis, o que de fato, tais recursos, são potenciais, uma vez que a renovação é facultada pela reprodução e crescimento dos indivíduos. Entretanto, tanto a reprodução e o crescimento dos indivíduos são limitados pela capacidade de suporte do ambiente no qual habitam, impondo limites ao tamanho dos estoques capturáveis.”
Em nosso próximo artigo, discutiremos sobre regime de propriedade. Até lá!
Literatura citada
– DEVLIN, Rose Anne & GRAFTON, R. Quentin. Economic Rights and Environmental Wrongs. Property Rights for the Common Good. Edward Elgar, 1998.
– GAVALDA, Juan Carlos Mirre de. El libro del oro. J.C. Mirre Gavalda. 1995 220p.
– HANNA, Susan and MUNASINGHE, Mohan. Property Rights and the Environment. Social and Ecological Issues. Beijer International Institute of Ecological Economics and The World Bank, 1995, p. 141.
– KAHN, James R. The Economic Approach to Environmental and Natural Resources. Second Edition. The Drydem Press. 1998
– MARRUL Filho, Simão. 2003. Crise e Sustentabilidade no Uso dos Recursos Pesqueiros. Brasília, Ed. Ibama. Il. 148p.
– STEVENSON, Glenn G. Common Property Economics. A General Theory and Land Use Applications. Cambridge University Press, Cambridge, 1991, 246p.
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