Por Cláudia Xavier
Bióloga, mestra em Zoologia (subárea Evolução) pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Trabalha no Laboratório de Aracnologia do Museu Emílio Goeldi e atua no Grupo de Estudos de Artrópodes da Amazônia – GEAA (Instagram e Facebook)
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O balonismo é a prática de voo (amadora ou profissional) realizada em balões livres tripulados. É uma atividade muito antiga e sempre causou fascínio entre nós, seres humanos. As fotos de vários balões em um fim de tarde na Capadócia (Turquia) são inegavelmente encantadoras. E o que aranhas têm a ver com isso?
Quando se pensa em organismos aerotransportados, aranhas geralmente não vêm à mente. Balonismo também é o nome dado a um mecanismo de dispersão que grande parte desses aracnídeos utiliza para migrar utilizando sua seda e o ar. Muitos organismos de tamanho mais diminuto desenvolvem mecanismos diferentes de dispersão para compensar sua dimensão corporal, como os pseudoescorpiões, que costumam “pegar uma carona” em outros animais para colonizar novos lugares. Se você já viu por aí notícias com manchetes falando sobre “chuvas de aranhas” ou “aranhas voadoras”, é sobre isso que estamos tratando aqui.
Aranhas pequenas podem voar posicionando a parte posterior do seu abdômen para o alto e soltando fios de seda para içar voo quando decidem o momento mais adequado. Alguns indivíduos já foram encontrados a cerca de quatro quilômetros de altura e a dezenas de quilômetros da porção de terra mais próxima. Esse mecanismo é muito utilizado por aranhas juvenis que acabaram de eclodir dos ovos para evitar canibalismo em seu local de nascimento e para reduzir a competição por recursos alimentares. A princípio, pode-se imaginar que o principal fator para esse voo seria o vento naquele determinado momento, no entanto, aranhas já haviam sido observadas conseguindo voar somente com uma brisa leve e até mesmo sem nenhuma aparente movimentação do ar, com céu nublado e até mesmo em condições chuvosas. Um mistério de séculos.
O balonismo das aranhas é um fenômeno bem documentado em muitas espécies e despertou até mesmo a curiosidade de Charles Darwin em sua viagem a bordo do H.M.S. Beagle, realizada entre 1831 e 1836. O naturalista inglês relatou que, quando estavam a cerca de 95 quilômetros da costa da Argentina, em um dia relativamente calmo e claro, o navio foi inundado por aranhas “balonantes”. Imagine estar no meio do oceano e, de repente, chover aranhas!
Darwin relata ter observado comportamentos distintos de duas espécies de tamanhos diferentes, algumas de 2-3 milímetros e outras em torno de 7 milímetros. Sobre a menor, afirmou que quando colocada ou tendo rastejado em alguma pequena eminência, a aranha elevava seu abdômen, soltava um fio de teia e navegava horizontalmente, mas com uma rapidez bastante inexplicável. Já a aranha de maior tamanho, o cientista escreveu que ela “enquanto estava no topo de um poste, disparou quatro ou cinco fios de suas fiandeiras. Estes, brilhando ao sol, podem ser comparados a raios de luz divergentes; não eram, porém, retos, mas em ondulações como películas de seda levadas pelo vento. Eles tinham mais de um metro de comprimento e divergiam em uma direção ascendente dos orifícios. A aranha então, de repente, largou o poste e foi rapidamente retirada de vista.”
Ainda naquela época, Darwin e outros cientistas levantaram a possibilidade de a divergência dos fios ser devido a algum tipo de repulsão eletrostática. Incrivelmente, o envolvimento de forças eletrostáticas no balonismo desses artrópodes só foi testado recentemente. Em 2018, pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, chegaram a conclusões interessantes após realizarem diferentes experimentos e observações com aranhas do gênero Erigone (família Lyniphiidae). As aranhas foram colocadas em uma caixa onde os cientistas conseguiam controlar a movimentação do ar e um campo elétrico controlado com cargas semelhantes às da atmosfera terrestre. Eles observaram que as aranhas respondiam positivamente quando o campo elétrico estava ativo e pareciam “deslizar” quando ele era reduzido, o que sugere que esses animais conseguem detectar variações no campo elétrico do lugar em que se encontram. Assim, o voo acontece devido à diferença de potencial elétrico entre os fios de seda e o ar. Basicamente, as aranhas usam o campo elétrico da Terra para voar.
Ainda nesse trabalho, os pesquisadores sugerem que as tricobótrias (pelos mecano-sensoriais) das aranhas são os responsáveis pela percepção das variações do campo elétrico – algo parecido já foi detectado em abelhas. Podemos fazer um paralelo aqui com o super-herói Homem-aranha do cinema: quem já assistiu algum filme do herói deve lembrar do seu superpoder “sentido-aranha”, especialmente quando os pelos do braço ficam arrepiados. De forma lúdica, as tricobótrias funcionariam dessa forma, porém detectando vibrações do ar e o campo elétrico (e não necessariamente algum perigo ali próximo).
Aranhas são seres fascinantes que nos surpreendem cada vez mais: “asas para quê? Vou usar o campo elétrico da Terra mesmo!”
Referências
– Cho, M., Neubauer, P. & Fahrenson, C. (2018) An Observational Study of Ballooning in Large Spiders: Nanoscale Multi-Fibers Enable Large Spiders’ Soaring Flight. Ingo Rechenberg. bioRxiv 206334; doi: https://doi.org/10.1101/206334
– Gorham, P.W. (2013). Ballooning spiders: the case for electrostatic flight. arXiv, arXiv:1309.4731v, https://arxiv.org/abs/1309.4731v
– Morley, E.L. & Robert, D. (2018). Electric Fields Elicit Ballooning in Spiders. Current Biology, Vol. 28, Issue 14, p. 2324-2330.e2, ISSN 0960-9822, https://doi.org/10.1016/j.cub.2018.05.057
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