
Biólogo e especialista em gerenciamento de risco de fauna em aeroportos e controle de animais sinantropícos nocivos. É analista de serviços tecnológicos do Senai- Firjan, membro da Associação Brasileira de Falcoaria e integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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No momento em que estou escrevendo este texto sob o calor da Cidade Maravilhosa, que atrai turistas do mundo todo, populações inteiras de aves “aterrissam” no Brasil. Essa chegada das aves acontece de forma semelhante como a das pessoas que chegam de todas as partes para aproveitarem o tempo quente e nossas praias, lagoas, cidades e nossos aeroportos.
Essa grande movimentação de aves migratórias causou diversos incidentes e acidentes com aeronaves pelo mundo afora. Já em 3 de abril de 1912, poucos anos após a invenção dos aviões, o encontro de gaivotas e a aeronave do piloto Calbraith Perry Rogers resultou na primeira morte comprovada a ser causada por colisão com fauna.
Há muito tempo, o fenômeno migração causa curiosidade não só nos cientistas, mas nas pessoas de forma geral. Na infância, eu me divertia ao ver nos programas de TV o desenho animado do Pica-pau, em que o travesso personagem gostava de aproveitar da formação em “V” da migração dos gansos que fugiam da escassez de alimento no hemisfério norte no inverno. Sabidamente ele ficava na parte de trás da formação, aproveitando o deslocamento do ar dos indivíduos que vinham na frente, de forma que ele teria o mínimo de gasto energético.
De maneira lúdica, era passado o conhecimento da necessidade de migração de algumas espécies de aves em determinada época do ano. O curioso também é saber que exatamente esse grupo de animais, os gansos, esteve envolvido no maior acidente entre aeronaves e animais, demonstrando a necessidade de regulamentação na segurança de voo com relação à fauna.
O acidente do A320 da US Airways em 15 de janeiro de 2009 foi o marco para criação dessas leis e normativas. A colisão múltipla com gansos-canadenses (Branta canadensis) em migração comprometeu os dois motores da aeronave, o que inviabilizou o retorno para o aeroporto de La Guardian, cabendo aos pilotos realizarem manobras para um pouso de emergência no rio Hudson, em Nova Iorque.
Devido a tamanha repercussão que causou, esse evento virou assunto do cinema sete anos depois e mais uma vez as “telas“ abordaram o tema de migração de aves. Mas dessa vez sob uma ótica da segurança operacional, em que o renomado ator Tom Hanks retratou os momentos vividos pela tripulação, interpretando o comandante Sully.
O Brasil ostenta o patamar de terceiro país com maior riqueza de espécies de aves, possuindo quase duas mil, como demonstrado por estudos de Piacentini e colaboradores em 2015. Cerca de 10% dessas são migratórias segundo afirma Somenzari em 2018, demonstrando a necessidade de mais estudos nessa área, pois ainda existem muitas perguntas a serem respondidas.

Com o intuito de gerar algumas respostas, foi elaborado em 2019 o relatório nacional de aves migratórias, demonstrando que aves migratórias estão sujeitas a colisões em parques eólicos devido, entre outros motivos, ao menor conhecimento do ambiente por elas. Tomando como verdade os mesmos argumentos para os aeroportos, é muito importante um olhar mais detalhado para esses animais. Segundo minha experiência, atuando desde 2015 pelos aeroportos, sempre que grupos de andorinhas chegam ao aeroporto, é comum ver colisões nos dias que se seguem.
As aves migrantes, que se dividem entre os visitantes do Norte e os visitantes do Sul, precisam de muita energia para esses grandes deslocamentos. É o caso do fuselo (Limosa lapponica), que tem o recorde mundial de voo sem escalas ao percorrer 11.570 quilômetros em 8 dias de viagem. Assim como acontece com o Falco peregrinus, que percorre 25 mil quilômetros, se deslocando 200 quilômetros por dia, para visitar anualmente o Brasil.
O falcão-peregrino, que até o próprio nome significa viajante, é comumente visto em torres de áreas urbanas, equipamentos e hangares de aeroportos do mês de setembro e até abril do ano seguinte. Ele fica sempre de uma posição privilegiada, à espreita de aves como pombos e quero-queros. Esse comportamento de caça, somado ao pouco conhecimento do sítio aeroportuário, frequentemente leva a colisões nos meses em que eles passam por aqui, sendo muito importante equipes treinadas nos aeroportos para evitarem a morte dessas aves em colisão com as aeronaves.

Antes de nos despedirmos para partirmos nessa viagem, é importante mencionar o trabalho do PATMA (Programa de Alerta Temprana de Migracións de Aves para la Aviacion) que tem como missão coordenar e integrar ações que contribuam com a gestão do risco da fauna migratória em aeroportos nas Américas Central e do Sul. Mas você também pode embarcar nessa viagem, acessando a plataforma do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e informar avistamentos e registros da presença de aves nas proximidades de aeroportos, o que irá ajudar na elucidação das lacunas do conhecimento.
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