Aves brasileiras no paraíso das ilhas Maldivas. Tráfico de animais?

Esta história começa com a realização de um sonho: uma viagem a um dos lugares mais bonitos do planeta, as ilhas Maldivas. Só para se chegar lá é necessário passar por três países diferentes; três sistemas alfandegários diferentes. Somando todos os deslocamentos,  são pelo menos 25 horas de viagem percorrendo mais de 13 mil quilômetros. Para ter uma ideia da distância, o país no continente mais perto, a Índia, fica a uma hora e meia de voo sobre mar aberto.

As ilhas Maldivas são o paraíso para quem pratica mergulho. O mar é azul, cor de turquesa, e o responsável pelo brilho azul é o fitoplâncton Lingulodinium polyedrum, organismo marinho que vive flutuando na superfície da água.

As Maldivas estão na lista de lugares em que todos sonham visitar pelo menos uma vez na vida. As praias perfeitas com areia branca, o mar com tonalidades marcantes e os bangalôs luxuosos sobre a água formam um cenário inesquecível e romântico! Incrível, não é mesmo?

A história se complica quando um turista brasileiro se depara, na ilha Dhigurah, com araras-canindé (Ara ararauna)! É isso mesmo, amigo leitor. Araras brasileiras em uma ilha isolada no meio do oceano Índico. Seguro que não foi nem nadando e nem voando por conta própria que os animais chegaram lá. O espanto continuou pois além das canindés, havia araras-vermelhas (Ara chloropterus) e até mesmo a ameaçadíssima arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus). Não faltaram também papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) sobrevoando o céu e pousando em coqueiros. Não, caro leitor, não é alucinação. Você leu corretamente: fauna brasileira com status de conservação “vulnerável” e até “criticamente ameaçada” voando em liberdade e sendo mantida como pet em ilha paradisíaca.

Só que nosso turista brasileiro não é qualquer turista. Aqui no Brasil, ele mantém uma área de soltura e faz um belíssimo trabalho de conservação ambiental. Chocado com a situação, ele explica:

“Nas ilhas em que fiquei, a população local é nativa e tem pequenos hotéis. Localizada no atol de Ari, a ilha Dhigurah é uma das mais compridas das Maldivas, com pouco mais de três quilômetros, e fica a 120 quilômetros do aeroporto de Malé, a capital do país. Tem cerca de 640 pessoas morando por lá (dados de 2023). A outra ilha que visitei, Fulidhoo, no atol Vaavu, tem 0,11 km², com cerca de 300 moradores. A distância entre Brasília e a capital Malé é de aproximadamente 13.510 km”.

Comércio de ovos de espécies brasileiras

“A população é muçulmana, então não se pode beber, fumar, o código moral é muito conservador. Não há cães, pois são considerados animais impuros pela religião. No entanto, encontrei várias pessoas com araras presas pelo pé ou soltas, passeando pela praia com seus pets, bem tranquilos. Aí, comecei a perguntar como haviam comprado aqueles animais, tão bonitos. Pergunta daqui, pergunta de lá, tudo com muito tato, para não assustar, e fiquei sabendo que os animais são ‘importados’ em forma de ovo por uma loja de animais que possui três pontos de venda em diferentes ilhas. Os preços variam de 2 mil euros por uma canindé, 10 mil euros por uma arara-vermelha e até 30 mil por uma arara-azul-grande. Papagaio-verdadeiro é mais ‘em conta’ e dá para levar por 1.500 euros”, explicou.

Vejam que o negócio da venda de ovos de espécies da fauna nativa brasileira, que deveriam estar protegidas por lei, vai muito bem no atol das ilhas Malvinas!

E claro, as imagens que nosso corajoso turista tirou na loja não deixam dúvidas: flagrantes maus-tratos! Animais com deficiências de empenamento e de formação óssea, já que as araras possuem envergadura grande de asas e a única forma de exercitar é voando. Bandos de araras em liberdade voam fácil mais de 50 quilômetros. Quando “criadas” em gaiolas, a deformidade é a regra, formando um quadro denominado de “asa invertida”, ou seja, mesmo querendo, o animal não pode voar direito nunca mais.

Tudo isso em nome do quê? Amor? Medo da solidão?

Claro que não faltaram também espécies australianas e até mesmo um pintassilgo em uma gaiola, para completar esse bizarro cenário paradisíaco. A fauna nativa das ilhas Maldivas sofreu, como todas as ilhas da região, um forte impacto da colonização, que causou defaunação. Seu destaque são os morcegos-raposa (Pteropus giganteus), que voam em plena luz do dia.

Outro ponto que também chama atenção é o problema do lixo, uma vez que tudo vem de fora embalado em muito plástico. Segundo nosso turista, a situação já foi muito pior. Que paraíso meio diferente, não é mesmo?

Voltemos à fala do nosso turista:

“Para chegar às Maldivas é necessário fazer uma ou duas conexões, sendo as mais comuns em Dubai, Catar, Turquia, Alemanha e Inglaterra. Sem considerar as conexões com voos internos no Brasil. levando em conta o tempo de escalas, é difícil chegar lá em menos de 24 horas de viagem, fora o tempo de deslocamento no Brasil. Com toda essa complexidade logística, passando por diferentes fronteiras, diferentes aeroportos e empresas aéreas, a mortalidade de animais deve ser muito alta”.

Exatamente!

E quando nosso turista tentou explicar para alguns dos “donos” das araras que aquelas espécies estavam em extinção, exatamente pela retirada de ovos, as expressões faciais são de incredulidade total! Outros nem isso. Simplesmente não esboçam reação, como se dissessem não ser problema deles!

Ingenuidade? Descaso?

Muito se fala sobre o tráfico internacional de espécies da fauna brasileira e sobre as incríveis dificuldades em combater crimes transacionais. Mas a verdade é que bastou um turista perguntar um pouco aqui e ali para mostrar claramente como acontece o tráfico, como e onde acontece a venda e quem compra. Inclusive, o pessoal da loja é “super legal”, pois chocam os ovos, cuidam dos filhotes com papinha e entregam o animal com uns três meses. Tudo fácil e tranquilo.

O atol das ilhas Malvinas está desaparecendo com a intensificação do aquecimento global e o efeito da subida dos oceanos. Não consigo deixar de pensar o que acontecerá com animais da fauna brasileira que lá ficarem abandonados quando os “donos” tiverem partido e não restar mais nada,… Só o lixo plástico flutuando silenciosamente.

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