Por Elisa Ilha
Bióloga, mestra em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisadora colaboradora do Laboratório de Sistemática e Ecologia de Aves e Mamíferos Marinhos (Labsmar/UFRGS) e do Projeto Botos da Barra (Ceclimar/UFRGS)
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No início de março, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) atualizou a Resolução (08/2018) que apresenta a nova proposta para a Lista das Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora brasileiras. Essa nova proposta de lista trouxe um aumento no número de espécies ameaçadas, em comparação a lista vermelha anterior (2014).
São, agora, 1.399 espécies incluídas em categorias de ameaça, sendo dez declaradas em categorias de extinção. A proposta de lista deve passar, ainda, pela avaliação do Ministério do Meio Ambiente (MMA). As categorias estão de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
No que diz respeito aos cetáceos (baleias, botos e golfinhos), dez espécies foram incluídas na nova lista do Conabio. São quatro espécies de baleias-verdadeiras, sendo a baleia-franca (Eubalaena australis), a baleia-sei (Balaenoptera borealis) e a baleia-fin (Balaenoptera physalus) na categoria Em Perigo de extinção e a baleia-azul (Balaenoptera musculus) na Criticamente em Perigo. Essas espécies – nas mesmas categorias de ameaça – já estavam presentes na lista de 2014.
Já entre os odontocetos, quatro espécies também foram mantidas nessa atualização: o boto-cinza (Sotalia guianensis) e o cachalote (Physeter macrocephalus) categorizados como Vulneráveis à ameaça de extinção, o boto-da-Amazônia (Inia geoffrensis) como Em Perigo e a toninha (Pontoporia blainvillei) como Criticamente em Perigo.
As novidades da lista do Conabio são o boto-de-Lahille (Tursiops gephyreus) e o boto-do-Araguaia (Inia araguaiaensis). O boto-de-Lahille é uma espécie recentemente revalidada e foi categorizada como Em Perigo, enquanto o boto-do-Araguaia, que foi há poucos anos descoberta, está como Vulnerável. Ambas as espécies estão sendo recém reconhecidas entre a biodiversidade de cetáceos do Brasil e já passam a integrar a lista de espécies ameaçadas.
As quatro espécies ameaçadas de baleias-verdadeiras e o cachalote sofreram com os impactos decorrentes do período de caça comercial (que durou até as décadas de 1970-1980), de tal modo que suas populações ainda não se recuperaram completamente.
Para a baleia-franca, por exemplo, acredita-se que houve um declínio populacional de pelo menos 70% provocado pela caça. Atualmente, sua população vem aumentando, ainda que lentamente, e estima-se que represente pouco mais de 15% em comparação com a população original. A média anual de indivíduos observados no litoral de Santa Catarina – principal área de concentração no Brasil – é de 120 indivíduos.
Já para a baleia-sei, os índices de abundância na área de caça da Paraíba indicaram um declínio populacional de quase 90% entre 1966-1977. Mais de 200 mil indivíduos foram capturados no hemisfério sul entre 1905-1979. Essa é uma espécie de hábitos oceânicos e novos registros, incluindo fêmeas com filhotes, foram recentemente obtidos em águas profundas sobre a Cadeia Vitória-Trindade e a Ilha da Trindade. O declínio populacional da baleia-fin também foi intenso no hemisfério sul, com um decréscimo maior de 70%. Durante a década de 1960, ela foi explorada na região do Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro – mas é uma espécie pouco comum em águas brasileiras.
A baleia-azul, incluída na categoria mais crítica de ameaça, é rara em águas brasileiras, onde há alguns registros de indivíduos caçados. A caça comercial levou a população global da baleia-azul a um declínio de 90%. Para dimensionar, entre 1930-1931, 29.409 baleias-azuis foram caçadas na região antártica. E, após diversos anos, em 2020, um indivíduo foi finalmente (e felizmente!) avistado no Brasil, em uma região de cânion submarino na Bacia de Santos.
O cachalote, por sua vez, apresenta registro em todo o mar territorial brasileiro. E, apesar do declínio de 50% da população global em razão da caça, a espécie é avistada com certa frequência em áreas de concentração conhecidas no Nordeste e no Sul do país.
Apesar de a caça comercial ter cessado, as baleias-verdadeiras e o cachalote ainda enfrentam ameaças para a sua sobrevivência. As principais são as colisões com embarcações, o emalhamento em artefatos de pesca e, em áreas costeiras, a destruição do habitat e a poluição (residual, química e acústica) causada pela expansão urbana desordenada.
A perda e a degradação do habitat costeiro e estuarino e as capturas acidentais em operações de pesca são, também, as maiores ameaças para os odontocetos marinhos de hábitos costeiros incluídos na lista do Conabio: o boto-cinza, a toninha e o boto-de-Lahille.
O boto-cinza tem uma distribuição ampla em águas costeiras, baías, estuários e enseadas no Brasil, mas esses são habitat cada vez mais afetados por pressões antrópicas. Um exemplo emblemático é a população de botos-cinza residentes na baía de Guanabara (RJ): ela declinou 37% entre 2000-2015 (e 90% se comparada a estudos de 1990), sendo esta a primeira evidência quantitativa de declínio populacional de odontocetos registrado no país. O boto-cinza é uma das espécies de odontocetos mais estudadas no Brasil. Acredita-se que o declínio populacional no país será superior a 30% em três gerações, o que a classificou como Vulnerável.
O boto-de-Lahille, por outro lado, está recém passando por pesquisas e estudos aprofundados que permitam o levantamento de dados necessários para a sua conservação. Estima-se que ao longo de toda sua distribuição (entre o Brasil, o Uruguai e parte da Argentina) existam 600 indivíduos da espécie, sendo apenas 360 deles maduros. Por essa razão (dada sua tendência populacional decrescente) e considerando as ameaças que o boto-de-Lahille enfrenta, a espécie já entrou na lista do Conabio na categoria Em Perigo.
A toninha é o pequeno cetáceo mais ameaçado do oceano Atlântico Sul Ocidental devido aos altos níveis de capturas acidentais. Sua principal ameaça é a pesca de emalhe (tanto artesanal como industrial). Prevê-se que o declínio populacional da toninha deve ser maior que 80% ao longo de três gerações (ou 36 anos). Criticamente em Perigo, ela é a única entre as espécies de cetáceos marinhos que possui um Plano de Ação específico (PAN Toninha). O PAN Toninha objetiva evitar o declínio populacional da espécie em todas as suas áreas de manejo, reduzindo as capturas acidentais e protegendo seu habitat preferencial.
As demais espécies de cetáceos marinhos são priorizadas através do Plano de Ação Nacional para Conservação de Cetáceos Marinhos Ameaçados de Extinção (PAN Cetáceos Marinhos), que objetiva melhorar seus estados de conservação.
Já o boto-da-Amazônia e o boto-do-Araguaia são espécies endêmicas de rios da Amazônia. O boto-da-Amazônia ocorre nos principais rios, seus afluentes e lagos da bacia Amazônica, enquanto o boto-do-Araguaia se distribui na bacia dos rios Tocantins-Araguaia.
Ambas as espécies são amplamente ameaçadas por conflitos de uso de recursos hídricos e ictiológicos. A caça do boto-vermelho (para o uso de isca na pesca da piracatinga) e a construção de centenas de hidrelétricas (planejadas e instaladas) na região amazônica ameaçam diretamente sua sobrevivência. Além da redução na disponibilidade de recursos alimentares, as hidrelétricas causam extrema alteração e fragmentação do habitat, o que pode levar as espécies ao isolamento populacional. Há ainda as altas taxas de desmatamento e a mineração que podem, também, ser uma ameaça indireta importante para essas espécies.
Em razão destas ameaças, acredita-se que o boto-da-Amazônia terá um declínio populacional de pelo menos 50% nas próximas três gerações (cerca de 31 anos). O boto-do-Araguaia, por sua vez, é uma espécie recentemente descoberta, o que nos indica como a biodiversidade pode já estar ameaçada antes mesmo de ser conhecida. Ela ainda carece de dados e pesquisas, mas é já considerada vulnerável aos crescentes impactos antrópicos na região amazônica.
Ambas as espécies – assim como outros mamíferos aquáticos, como o peixe-boi e a ariranha – são priorizadas no Plano de Ação Nacional para a Conservação de Mamíferos Aquáticos Amazônicos Ameaçados de Extinção (PAN Mamíferos Aquáticos Amazônicos).
As listas das espécies ameaçadas têm como objetivo informar a sociedade e os tomadores(as) de decisão sobre o estado de conservação das espécies – a nível regional, nacional e internacional – de modo a alertar sobre a constante perda de biodiversidade e influenciar na criação de programas e de políticas de conservação.
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