Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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A Lua tem uma grande participação na vida humana, sendo usada pra contar o tempo desde muito antes de termos calendários nas paredes ou nos celulares. A presença da Lua é tão forte que muita gente acredita que ela influencie nossos destinos e personalidades, apesar de não se ter nenhuma evidência científica dessa relação.
O que se sabe, porém, é que o satélite natural da Terra pode sim influenciar os ciclos de vida de muitos animais, não pela sua posição no mapa astral, mas pelos seus ciclos. Ela gira em torno na Terra em ciclos de 29,5 dias e leva 24,8 horas para percorrer o mesmo ponto do nosso planeta. Esses ciclos influenciam os níveis de iluminação, as marés e os campos geomagnéticos, que podem ser percebidos por muitos animais.
Sendo assim, os ciclos lunares podem influenciar os animais de diferentes formas, como nas relações entre presas e predadores, nos eventos migratórios, na localização de sítios reprodutivos, parceiros para acasalamento ou na efetividade de encontrar alimento. Essa influência é espécie-específica (veja nos artigos da Behavioral Ecology e da Proceedings of the Royal Society B) , portanto, cada espécie responde de uma maneira.
Sabemos, por exemplo, que a iluminação da lua varia ao longo das noites, de acordo com a sua fase. Na lua cheia, as noites ficam bem mais claras do que na lua nova. Essas mudanças de iluminação podem agir sobre o ritmo de diversos organismos, funcionando como uma pista para o momento da reprodução (um relógio) ou favorecendo ou não a realização de certas atividades, principalmente as que envolvem a visão. Alguns animais diminuem sua atividade em noites de lua cheia pra reduzirem o risco de serem predados, já que vão estar mais visíveis. Por outro lado, predadores visualmente orientados tendem a preferir as noites mais claras.
Se os ciclos da Lua influenciam padrões comportamentais dos animais, será que eles podem também estar relacionados com os atropelamentos em estradas?
Um estudo do ano passado mediu a influência da iluminação da Lua nos atropelamentos de seis espécies de anfíbios em Portugal. Para isso, eles utilizaram dados de atropelamentos de anfíbios e avaliaram a importância das fases do satélite natural e de outras variáveis climáticas no número de atropelamentos de cada espécie encontrada e também para o grupo como um todo.
No geral, como era de se esperar, devido aos hábitos dos anfíbios, as variáveis climáticas (aumento da temperatura mínima, umidade do ar e chuva acumulada) foram as mais relacionadas com o aumento do número de atropelamentos. Mas duas espécies de salamandras tiveram influência das variáveis relacionadas à Lua e elas apresentaram respostas diferentes: a espécie Salamandra salamandra teve maior mortalidade em noites de lua cheia, enquanto Pleurodeles waltl foi mais atropelada nas noites de lua nova.
Os pesquisadores formularam a hipótese de que esse padrão tenha a ver com as relações presa-predador. As duas espécies compartilham boa parte dos predadores, a maior diferença é que a espécie S. salamandra possui cores aposemáticas, ao contrário de P. waltl. Cores aposemáticas sinalizam aos predadores que a presa pode ser tóxica ou não palatável, ou seja, melhor evitar comê-la. Sendo assim, é provavelmente mais vantajoso para a salamandra de cor aposemática se movimentar no claro, ficando seu padrão de cores mais visível aos predadores, enquanto para a outra, se movimentar no escuro, evitando ao máximo ser vista. Além disso, S. salamandra talvez precise mais da iluminação da Lua para a comunicação visual entre os indivíduos, pois passa mais tempo no solo do que P. waltl, que possuí hábitos predominantemente aquáticos.
Se a iluminação da Lua pode influenciar nos padrões de atropelamento devido ao comportamento dos animais, será que essa luminosidade também pode agir sobre nossa capacidade de enxergar os animais na estrada durante a noite e vice-versa,? Isso ajudaria a evitar alguns atropelamentos?
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