Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Com alguns anos de prática no combate direto aos crimes ambientais, fico um pouco mais à vontade para descrever a sensação de angústia vivenciada por agentes da lei ao saber do desfecho de horas de levantamento e planejamento para cumprir determinada diligência, com os eventuais riscos a própria integridade física e a de terceiros, para finalmente concluir que o tal crime foi classificado como de “menor potencial ofensivo”. Adoraria entrar de cabeça nos critérios técnicos e científicos que abonaria todos os processos biológicos, dando legitimidade aos milhares de estudos desenvolvidos até hoje sobre a importância de cada uma das espécies dentro do ecossistema. Seria uma longa e redundante dissertação.
Vou me prender à prática com um exemplo marcante. No ano de 2000, foram apreendidos milhares de espécimes de peixes ornamentais em depósito no subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, estoque que viria abastecer vários vendedores em feiras livres da cidade. O transporte desses exemplares, muitos deles alevinos, foi, sem dúvida, uma operação de guerra. Pouco tempo depois, o acordo firmado e homologado pela Justiça determinou aos infratores cumprimento de algumas horas de trabalho semanais, durante alguns meses (transação penal, prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/1995), no aquário da Fundação RioZoo, exatamente para onde os animais tinham sido levados. Deve ter ocorrido aperfeiçoamento técnico dos meliantes, sem dúvida.
Tive um chefe direto, no antigo Núcleo de Crimes Ambientais da Polícia Federal no Rio que, em determinado momento, me deu uma lição de vida. Disse ele: “se não quiser se aborrecer e se desanimar, não procure saber o resultado das ações (na Justiça) contra os criminosos ambientais”. Compreendi a ligação entre o esforço policial para crimes nessa área e as leis vigentes no país. Pagamento de multas irrisórias, cestas básicas e serviços comunitários inibem muito poucos e tais valores e esforços, na maioria dos casos, não reparam ou impactam diretamente no dano ambiental ocasionado. Supressão vegetal de pequena monta, crimes de mineração a nível doméstico e outros de menor impacto, talvez; jamais os aplicados a seres vivos e seus abrigos. Lembrando que os agentes da lei podem ser, também, penalizados pela falta de trato com esses animais durante sua apreensão e transporte, afinal, temos a tutela provisória para com essas vidas.
Fazendo um paralelo com crimes fazendários, no contrabando ou descaminho de cigarros, por exemplo, os magistrados determinam fianças e seu pagamento não necessariamente deve ser imediato, podendo ser feito em prazos médios de 10 a 15 dias. Por várias vezes nos deparamos com criminosos reincidentes que sequer tiveram tempo de recolher a fiança do ato criminoso antecedente. Organizações criminosas, incluindo os crimes ambientais, contam com apoio jurídico e financeiro para cobrir as falhas e os prejuízos, cobrando, claro, a permanência do agente dentro do sistema e dando a ele a sensação de impunidade.
Lamentavelmente o antropocentrismo ainda prevalece, somado à ignorância científica de legisladores (escolhidos por nós). Estamos na ponta final de uma cadeia cambeta que escolhe, errada e tragicamente, a reparação de determinados danos ambientais pelas vias econômicas, em detrimento de uma reparação natural. Cobramos de autoridades das três esferas do Executivo atitudes preservacionistas e imediatistas, esquecendo que, inevitavelmente, devem ser amparadas em legislações, muitas vezes, pouco técnicas e muito pouco práticas. Tenho convicção de que as penas contra a vida, seja ela humana ou de outras espécies, devem ser duras e com restrição de liberdade ou a frustração vai continuar.
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