Por Rogério Bertani
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especializado em aracnídeos, é pesquisador do Instituto Butantan
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As aranhas-de-grama são bastante comuns no Brasil, mesmo em áreas urbanas. Não é difícil encontrá-las em gramados ou capinzais, onde escavam o solo e constroem uma pequena toca que serve de abrigo. Uma das espécies mais comuns, Lycosa erythrognatha, tem uns 5-6 centímetros de comprimento, coloração marrom-acinzentada e uma mancha no dorso do abdome que lembra uma seta. As quelíceras são avermelhadas e os oito olhos têm uma disposição característica. A primeira fila, próxima das quelíceras, tem quatro olhos pequenos, enquanto a segunda e a terceira filas têm dois olhos cada. Em geral, a aparência não é muito diferente entre as espécies, variando o tamanho e a cor.
A família Lycosidae é a sexta família de aranhas com maior número de espécies. São 2.430 espalhadas por todos os continentes, exceto a Antártica.
No Brasil foram descritas 53 espécies, mas o número é provavelmente muito maior, pois são pouco estudadas. Essas aranhas vivem principalmente em áreas abertas, como campo, cerrado e caatinga. Algumas espécies habitam a faixa de areia das praias.
A maioria das aranhas coloca os ovos dentro de um saco feito com fios de seda, os quais são fixados ao substrato ou às teias. Já as aranhas-de-grama carregam o saco de ovos presos às fiandeiras. Dessa forma, podem se mover e tomar conta dos ovos ao mesmo tempo. Ao nascerem, os filhotes sobem no dorso da mãe e permanecem por lá até que sofram a primeira muda, quando trocam a camada mais externa da pele endurecida, que serve como esqueleto externo e dá suporte ao corpo. Após essa primeira muda ou ecdise, passam a ter vida independente.
As aranhas-de-grama podem utilizar o balonismo para se dispersarem. Após descerem do corpo da mãe, os jovens sobem em um local alto, onde produzem fios de seda longos, que são apanhados pelo vento e acabam arrastando a pequena aranha. Dessa forma, em “balões de seda”, elas podem viajar e aterrissar a centenas de quilômetros do local de nascimento. Dispersando-se assim, conseguem colonizar locais distantes. Geralmente não ocorrem em florestas úmidas, mas podem ser encontradas em locais desmatados natural ou artificialmente no interior de grandes áreas florestadas, chegando a esses lugares por meio da dispersão por balonismo.
Comuns em muitos países do mundo, essas aranhas já foram acusadas de provocar envenenamento em seres humanos. Na Idade Média, na região italiana da Apúlia, onde fica a cidade de Taranto, elas foram acusadas de provocar acidentes que causavam muita dor e agitação. Para se curar do envenenamento causado pela aranha, as pessoas executavam uma dança chamada tarantela, bastante agitada e rápida, que julgavam ajudar no tratamento. Por esse motivo, as aranhas-de-grama eram conhecidas popularmente como tarântulas na Itália.
Esse nome acabou sendo utilizado em países de língua inglesa para nomear as grandes aranhas da família Theraphosidae, que no Brasil conhecemos pelo nome popular de aranha-caranguejeira ou caranguejeira. Com a grande influência da língua inglesa no mundo, a globalização e a internet, o nome tarântula tem sido utilizado cada vez mais para nomear as caranguejeiras em vez das aranhas-de-grama, em desacordo com a origem do nome.
Com o tempo, descobriu-se que não eram as tarântulas ou aranhas-de-grama as causadoras dos acidentes na Itália, mas sim uma outra aranha, conhecida como “viúva-negra”, do gênero Latrodectus. Essa, sim, reconhecidamente causadora de acidentes graves em humanos.
De forma parecida, durante algumas décadas, uma espécie brasileira, a Lycosa erythrognatha, foi acusada de causar acidentes em seres humanos caracterizados por produzir uma ferida que demorava para cicatrizar. Chegou-se a produzir soro antilicósico para tratar acidentes causados pelas aranhas-de-grama, até que se percebeu que a aranha que realmente causava aquelas lesões era a aranha-marrom, do gênero Loxosceles. As aranhas-de-grama foram então deixadas de lado e passou-se a produzir soro antiloxoscélico contra as verdadeiras responsáveis pelos acidentes atribuídos às aranhas-de-grama.
Além de terem sido responsabilizadas pelos acidentes causados pelas viúvas-negras e aranhas-marrons, muitas vezes as aranhas-de-grama são confundidas com a aranha-armadeira devido ao formato do corpo e à coloração um pouco semelhantes. Porém, as aranhas-de-grama são menores, não possuem cerdas que as permitam subir em superfícies lisas, como ocorre com as aranhas-armadeiras. E, geralmente, apresentam um desenho em forma de seta no dorso do abdome. Para mais informações sobre as aranhas-armadeiras, acesse meu artigo de maio do Fauna News.
Acusadas de causar acidentes em humanos, confundidas com espécies perigosas, as aranhas-de-grama tem picadas que costumam produzir apenas reações locais. Vivem próximas aos seres humanos e alimentam-se de insetos, ajudando a controlar as populações de vetores de doenças e pragas da agricultura.
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