Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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As passagens de fauna permitem que os animais se desloquem em segurança por baixo ou por cima da rodovia e podem ajudar a reduzir o número de colisões com veículos, além de manter a conectividade. A análise do uso das passagens é a primeira etapa na avaliação da efetividade da estrutura em mitigar os impactos da estrada. Depois de identificado o uso das estruturas, é interessante avaliar se ele resulta na manutenção da conectividade e/ou na redução das fatalidades de fauna. Vale apenas ressaltar que para reduzir as fatalidades é importante a instalação de cercas evitando que o animal acesse a rodovia e ainda os direcionem para a entrada da estrutura de travessia.
Essas estruturas são um recurso utilizado há alguns anos como mitigação para os impactos mencionados e há uma grande variedade de tipos e formas de estruturas que permitem essa permeabilidade entre os lados da rodovia. Alguns exemplos de estruturas específicas planejadas para a fauna são as passagens de fauna, os viadutos vegetados, as pontes de corda e os cabos de aço. Há também estruturas que não foram prioritariamente pensadas para a fauna silvestre e que também podem ser usadas pelos animais, como as estruturas de drenagem e as passagens de gado.
Embora essas estruturas sejam muito utilizadas em rodovias e outros empreendimentos, é escassa a informação sobre quais as características que influenciam o uso delas pela fauna e se há diferença no uso de diferentes estruturas por animais de diferentes espécies. Além disso, o conhecimento disponível sobre esse assunto está muito fragmentado em estudos isolados, de pouca abrangência, seja em termos de diversidade de fauna potencialmente usuária, de tipos de estruturas ou de contextos paisagísticos.
Pensando nisso, pesquisadores publicaram recentemente um estudo que avaliou quais os fatores que influenciam o uso de estruturas de travessia pela fauna, a partir de uma meta-análise realizada após uma extensa revisão de trabalhos já publicados. No final da revisão, os autores conseguiram avaliar 29 trabalhos para os quais foram registrados os atributos das passagens de fauna e a proporção de cruzamentos de sucesso nelas. Os dados dos estudos revisados foram usados para avaliar o uso de três tipos de estruturas de travessias (passagens inferiores, pontes e viadutos vegetados) para seis grupos de animais silvestres (ungulados, carnívoros grandes, carnívoros pequenos, mamíferos não-carnívoros pequenos, herpetofauna e cangurus.
Os resultados encontrados variaram muito em relação aos fatores, influenciando o uso de cada tipo de passagem pelos diferentes grupos.
Para as passagens de fauna inferiores, todos os grupos tiveram alguma característica influenciando o uso. Por exemplo, carnívoros grandes e pequenos e mamíferos não-carnívoros pequenos usam bastante passagens mais compridas, enquanto o uso dos demais grupos está mais relacionado com extensões menores. A presença de cerca direcionadora tem efeito positivo no uso pelos ungulados, carnívoros grandes e pequenos e mamíferos não-carnívoros pequenos. Para os cangurus e a herpetofauna, o uso é maior em estruturas mais largas, o que não tem influência nos demais grupos.
Em relação às pontes, os mamíferos pequenos (carnívoros ou não) têm preferência por estruturas cercadas e com tamanhos menores em largura e extensão. Os ungulados usam mais as estruturas com substrato natural e sem a presença de cursos d’água. Quanto aos carnívoros grandes, eles parecem não ser influenciados por esses fatores, mas usam menos as estruturas também utilizadas por humanos.
Para os viadutos vegetados, larguras maiores permitem um maior uso pelos carnívoros grandes, mas reduzem a utilização pelos ungulados. As cercas têm efeito positivo nos carnívoros grandes enquanto a vegetação aumenta o uso dos ungulados – características que não têm efeito em outros grupos. Os autores não identificaram nenhum fator associado ao uso dessa estrutura pelos mamíferos pequenos (carnívoros ou não), herpetofauna e cangurus.
É possível perceber que os grupos de animais respondem de maneira diferente e que há características distintas influenciando o uso das estruturas de travessia pela fauna. Entretanto, os autores não encontraram dados suficientes para avaliar outros grupos, como aves, bem como para avaliar as diferenças entre as espécies dentro de um mesmo grupo.
O fato de alguns grupos não terem fatores influenciando o uso das estruturas não deve ser considerado como se esses grupos de animais não usassem as estruturas. Isso pode estar relacionado à escassez de dados. Os monitoramentos, se não forem bem planejados, acabam sendo direcionados para animais grandes, resultando em pouca informação para animais como mamíferos pequenos, anfíbios, répteis e aves.
Mais estudos como esse são importantes, pois com o acúmulo e a análise de informações, como as avaliadas pelos pesquisadores, conseguiremos ter um melhor embasamento para planejar a instalação de medidas de mitigação adequadas para cada contexto (considerando o ambiente e as espécies-alvo) capazes de reduzir as fatalidades e aumentar a conectividade nas rodovias.
É extremamente importante que diferentes pesquisadores estabeleçam colaborações para reunir suas informações quanto ao uso de estruturas de travessias. Assim será possível avaliar quais as características das estruturas podem estar influenciando diferentes espécies a usarem cada tipo passagem, permitindo otimizar o recurso destinado à mitigação.
Por isso está em curso uma iniciativa de pesquisadores do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF/UFRGS), Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) e Latin American and Caribbean Transport Working Group (LAC TWG) voltada a reunir em uma publicação dados de uso de estruturas de travessia pela fauna para todo o Neotrópico em múltiplas infraestruturas lineares, como rodovias, ferrovias e dutos. Caso você tenha monitoramentos do uso de estruturas como essas ou conheça profissionais que as tenham e queiram participar dessa iniciativa como co-autores, não deixe de preencher ou reencaminhar o formulário abaixo.
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