Engenheiro agrônomo e mestre em Sistemas Costeiros e Oceânicos. É coordenador geral do Programa Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) da Associação MarBrasil e professor na pós-graduação em Biologia Marinha pela Universidade Espírita (PR)
aquaticos@faunanews.com.br
Em 16 de junho, quarta-feira, comemoramos os Dia Internacional das Tartarugas-Marinhas! E qual o porquê dessa data? Conscientizar as pessoas sobre a importância desse animal para os ecossistemas marinhos e, sobretudo, alertar sobre a ameaça que sofrem há décadas em todos os oceanos.
“Esses animais fazem parte de uma cadeia de relações ecológicas fundamental para o desenvolvimento e sobrevivência de todo o ecossistema que inclui as praias, as dunas e os oceanos”.
Camila Domit, bióloga, professora do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná, coordenadora do Laboratório de Ecologia e Conservação e conselheira da Associação MarBrasil (Associação MarBrasil, Olhares sobre a biodiversidade marinha do Paraná. Organização: Robin Hilbert Loose – Pontal do Paraná, PR.
Associação MarBrasil, 2019)
As tartarugas marinhas são conhecidas como engenheiras do mar, pois transportam nutrientes entre componentes do ecossistema, garantindo energia vital à sobrevivência de diversas formas de vida, tais como os bancos de grama marinha (nos quais elas são responsáveis pela ciclagem nos nutrientes), para peixes, crustáceos, moluscos, esponjas, medusas, entre outros. Atuam também como substrato para organismos epibiontes (aqueles que vivem sobre outro ser vivo) que se agregam em sua carapaça. As características ecológicas das tartarugas-marinhas contribuem para a manutenção da qualidade e da saúde ecossistêmica.
No mundo são conhecidas sete espécies de tartarugas-marinhas: a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), a tartaruga-verde (Chelonia mydas), a tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea), a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), a tartaruga-de-Kemp (Lepidochelys kempii) e a tartaruga-marinha-australiana (Natator depressus).
Em geral, as tartarugas-marinhas apresentam distribuição cosmopolita, com áreas de alimentação nas regiões tropicais e subtropicais de todo o mundo. As exceções são a tartaruga-marinha-australiana, que é endêmica da região da Austrália, e a tartaruga-de-kemp, que ocorre apenas no Golfo do México e na costa leste dos Estados Unidos. As tartarugas-de-couro também tem uma distribuição diferente, pois além de áreas equatoriais, tropicais e subtropicais, são registradas até as latitudes temperadas e subpolares.
Cinco espécies ocorrem no litoral brasileiro: a verde, a oliva, a de-couro, a de-pente e a cabeçuda. As principais áreas reprodutivas das delas no Brasil são o litoral norte do Rio de Janeiro, o litoral da Bahia e o litoral norte do Espírito Santo para a tartaruga-cabeçuda; o litoral norte do Espírito Santo para a tartaruga-de-couro; o litoral norte da Bahia e sul do Rio Grande do Norte para a tartaruga-de-pente; o litoral de Sergipe para tartaruga-oliva; e as ilhas oceânicas de Fernando de Noronha, Atol das Rocas e Trindade para a tartaruga-verde.
As tartarugas-marinhas passam a maior parte do seu ciclo de vida em áreas de alimentação, transitando entre regiões com alta disponibilidade de recursos e investindo em crescimento, até atingir a maturidade sexual (20-30 anos). Como essas regiões abrigam diferentes espécies e estoques genéticos, é fundamental compreender a dieta e a ecologia alimentar dos animais, assim como a relação com as áreas utilizadas. Uma vez conhecida a ecologia alimentar das tartarugas-marinhas, pode-se definir a potencial área de alimentação para cada fase de vida, a disponibilidade de alimentos nas diferentes regiões, os impactos potenciais aos quais essas áreas estão submetidas e o grau de exposição à riscos para os animais. A costa brasileira é reconhecida por sua importância para a alimentação de indivíduos das cinco espécies de tartarugas-marinhas.
O ciclo de vida complexo das tartarugas-marinhas envolve praias de nidificação e as regiões costeira e oceânica para migração e alimentação. O uso de múltiplos habitat em diferentes estágios de vida resulta em exposição dos animais à uma série de impactos diretos e indiretos, ampliando desafios para diagnósticos de riscos e efetivação de ações de conservação. Características do grupo como o longo ciclo de vida, a maturação sexual tardia, o baixo sucesso reprodutivo e os diferentes impactos que afetam os animais em todos os estágios de vida são os fatores que levam esses animais ao risco de extinção em todo o mundo.
Os grandes impactos globais sobre as tartarugas-marinhas são a caça e o consumo de carne e ovos; a captura incidental em redes pesqueiras de emalhe, espinhéis pelágicos, redes de arrasto e a pesca com dinamites; a destruição do habitat pela ocupação humana erosões costeiras; e a poluição.
Os principais tipos de poluição que afetam as tartarugas-marinhas são por substâncias químicas, os quais aumentam a suscetibilidade das tartarugas a doenças, como a fibropapilomatose que vem acometendo muitas populações; por lixo, principalmente plástico, que quando ingerido pode levar a morte do animal por obstrução do trato digestório; e pela iluminação costeira, que desorienta fêmeas e filhotes no momento de desova e nascimento, interferindo no comportamento natural da espécie.
As mudanças climáticas globais também tem afetado esses animais. Elas promovem impacto nas áreas de reprodução com o aumento da temperatura de incubação dos ovos, alterando a proporção de filhotes machos e fêmeas que nascem. As alterações climáticas promovem ainda eventos naturais extremos, como tempestades costeiras que causam a perda de desovas e descaracterização de praias de nidificação bem como alteram áreas de alimentação, como corais e bancos de gramíneas.
As cinco espécies de ocorrência global estão classificadas na lista vermelha de fauna ameaçada da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). No Brasil, o estado de conservação foi avaliado por um grupo de especialistas junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e elas constam na lista de fauna ameaçada do Brasil e na Portaria MMA nº 444/2014.
Os múltiplos impactos que acometem as populações de tartarugas-marinhas no mundo começaram a ser identificados no Brasil a partir da década de 1970. No decorrer dos anos, o diagnóstico do estado de conservação das espécies trouxe a necessidade de implementação de medidas protetivas no país, que incluíram o monitoramento de áreas de desova e a criação de unidades de conservação nesses locais, bem como o monitoramento de importantes áreas de alimentação e o impacto da pesca. Além de diversas medidas legais em esferas nacionais e estaduais, desde 2011 o governo brasileiro organizou, via Centro Tamar/ICMBio, o Plano de Ação Nacional para Conservação das Tartarugas-Marinhas (PAN).
O conjunto das informações sobre as espécies, incluindo conhecimento biológico, quanto aos impactos e as medidas de gestão (como a criação de políticas públicas) foram compilados no plano de ação nacional, o qual traz um diagnóstico dos principais problemas e demandas de pesquisa e de ações de mitigação, bem como a indicação de áreas prioritárias para a conservação das cinco espécies de tartarugas-marinhas.
No Brasil, alguns projetos voltados à conservação marinha trabalham pelas tartarugas. O maior deles, o Projeto Tamar é pioneiro e focado nesses animais. Outro projeto é o Rebimar, com foco em espécies ameaçadas de extinção nos litorais do Paraná e de São Paulo, dentre elas a tartaruga-verde.
– Leia outros artigos da coluna AQUÁTICOS
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)