Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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No ano passado, abordei nesta minha coluna no Fauna News o trabalho do artista plástico português Bordalo II (o II é porque o pai é também artista plástico), que alerta a população – e as centenas de milhares de turistas que visitam Portugal anualmente – para as consequências do consumo crescente no ambiente. Esse alerta é feito com esculturas gigantes de animais, como ratos, pelicanos, corujas e raposas, feitas de material descartado, espalhadas por diversos pontos da capital portuguesa e em outras cidades – São Paulo, no Brasil, inclusive – e que chamam, de fato, a atenção das pessoas.
Pois bem. O inquieto Bordalo II mantém a preocupação e ativismo ambiental, mas mudou um pouco a abordagem. Ou a forma de criar impacto nas pessoas.
Com uma exposição chamada Evilution – no novo espaço de eventos e educação, o Edu Hub Lisboa, da United Lisbon International School, instalado em um armazém que logo deve ser reabilitado, na capital portuguesa -, que começou em outubro e vai até 11 de dezembro, o artista continua usando figuras de animais para se expressar. Agora eles são menores e feitos de diferentes materiais.
Obras de Bordalo II
Ao chegar no espaço de exposição, nada de novo: uma grande e “tradicional” escultura bordalense de um coelho saúda os visitantes. Mas logo na primeira sala da exposição, a pessoa se depara com esculturas de animais feitas de madeira e pedra, materiais que são intensivamente utilizados no setor de construção civil e, muitas vezes, desperdiçados, deixando um passivo de destruição do habitat de milhares de espécies de animais e plantas.
Na segunda sala, batizada de Half-Half (meio a meio), as figuras dos animais aparecem divididas entre uma representação neutra, ou mais realista, e outra em plástico colorido. “Ao colocar lado a lado estas duas existências opostas e conflitantes, Bordalo II pretende evidenciar o contraste entre os animais que representa e os materiais de desperdício com os quais os cria e que muitas vezes são responsáveis pela destruição de seu habitat”, diz o cartaz explicativo.
Em seguida, o visitante cai em uma sala com peças em plástico, inéditas e que integram a coleção Small Trash Animals (pequenos animais do lixo, em tradução literal), além de peças com novos materiais, como latas de spray, utilizadas e desperdiçadas pelo próprio artista ao longo dos anos, ou garrafas plásticas, bitucas de cigarro, latas, pneus e máscaras faciais usadas durante a pandemia de Covid-19 e, muitas vezes, descartadas de forma errada e irresponsável em ruas, praças, praias, poluindo e pondo em risco os animais.
Cada peça aborda uma problemática ambiental diferente, quer pelo material usado, quer pela imagem que forma. Ou seja, existe uma ligação entre o material empregado nas peças e o animal que vai surgindo aos olhos – e telas de celular – dos visitantes da mostra. As bitucas, por exemplo, que foram recolhidas em diferentes locais por colaboradores de uma associação que organiza ações de recolhimentos desses resíduos em praias e outros espaços públicos, formam a imagem de uma mãe primata. Bordalo procurou chamar a atenção para o fato de que a indústria do tabaco (ainda se fuma muito na Europa, apesar das crescentes restrições) continuar a utilizar macacas prenhas para testar o impacto no feto da exposição à fumaça inalada dos cigarros.
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Nas salas finais da exposição, na seção batizada de Rewild, o artista fica ainda mais provocador e mostra imagens em movimento de animais de plástico iluminados e que, aproveitando a cidade vazia em razão da pandemia, têm a oportunidade de sair de túneis e de outros refúgios para voltar a ocupar os espaços que eram seus, mas que teriam sido usurpados pelo “maior predador do mundo, o homem”. Isso em esculturas – que abordam animais pequenos, como insetos, pela primeira vez – e em um filme, que é um dos pontos altos da mostra.
No filme, as figuras dos animais pegam carona em carros e trens, usam bicicletas e patinetes (uma febre na capital portuguesa, descartados depois do uso de qualquer jeito e sem a menor responsabilidade, inclusive nas águas do rio Tejo), como uma forma de rebeldia e libertação.
Findo o nosso passeio pela Evilution. Por sinal, o nome da exposição, o que quer dizer? De acordo com Bordalo II, ele remete ao “contrário do progresso” e a uma espécie de “evolução do mal”, marcada por casos de racismo, xenofobia, fanatismo religioso e violência doméstica.
O leitor da coluna que se interessou pelo trabalho de Bordalo II, e não tem planos de viajar a Portugal, pode se animar. O artista adianta que tem marcada uma grande exposição em São Paulo, mas não revela a data nem o local. Boldalo II gosta de surpreender.
E quem gosta de encontrar seus grandes animais pode se tranquilizar: ele não vai abandonar esse tipo de intervenção em espaços públicos.
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