Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Quem caminha pelas ruas de Lisboa, em Portugal, vira-e-mexe tem a atenção chamada para a obra de um animal gigante, seja no meio de uma praça ou na parede de um prédio antigo. A curiosidade, com certeza, vai fazer com que essa pessoa, seja ela um cidadão português ou um turista, chegue mais perto e consiga notar que a escultura é feita de peças de plástico, metal, lixo eletrônico, entre outros restos de objetos.
Falo das esculturas do artista plástico liboense Bordalo II, que cria a partir do lixo para justamente denunciar o consumo excessivo que está comprometendo o planeta e ameaçando os animais que retrata: garças, ursos, focas, rinocerontes, abelhas, raposas, polvos, pelicanos, primatas, etc.
O nome Bordalo II é uma homenagem ao avô, o artista plástico Artur Real Bordalo. O neto começou no grafite clandestino, aí cursou Belas Artes na Universidade de Lisboa e descobriu novas técnicas e causas.
O artista, de 34 anos, passou a usar o lixo que encontra nas ruas como material para construir suas esculturas com uma forte conotação ecológica, ambientalista e social. “Nunca tive problemas em encontrar material para as minhas obras, infelizmente”, declarou em entrevista a uma revista portuguesa. Bodalo II vale-se de uma mistura de técnicas, sendo os materiais soldados, aparafusados ou colados, dependendo da natureza e do tamanho, criando uma espécie de grafite tridimensional.
Suas obras mais conhecidas são justamente as da série batizada de Big Trash Animals (Grande Animais de Lixo, em português), que podem ser encontradas em Lisboa e no interior de Portugal, além de Paris, Londres, Berlim, Lausanne (Suíça) e outras cidades de três continentes – incluindo as brasileiras Rio de Janeiro e São Paulo. Na capital fluminense, instalou o ameaçado lobo-guará, um dos animais-símbolo do nosso Cerrado, que foi feito com material reciclável comprado de cooperativas de catadores. Já o bairro paulistano da Lapa, ele enfeitou com uma preguiça.
Neste ano, Bordalo II instalou dois cavalos-marinhos – em um parque de campismo e no campus de uma universidade – em Faro, a maior cidade do Algarve, o badalado litoral sul português que recebe milhares de turistas no verão. O objetivo é alertar para o preocupante estado de conservação desse animal que é um dos símbolos da Ria Formosa, uma área protegida que compreende uma boca grande de rio entrando no Atlântico e que sofre com a poluição causada pelos dejetos deixados por turistas, navios e pescadores.
No ano passado, em uma cidade do arquipélago dos Açores, no meio do Atlântico, Bordalo II havia chamado a atenção para a conservação de uma espécie de ave marinha, a pardela-de-bico-amarelo (Calonectris diomedea), conhecida em Portugal por cagarra.
A consciência ambiental é transversal a tudo o que leva a assinatura de Bordalo II: desde os animais que escolhe representar (quase todos, de alguma forma, ameaçados) aos materiais usados nas suas representações – sempre restos e resíduos resultantes da falta de consciência da sociedade de consumo.
Se esse tipo de alerta dá resultado para que as pessoas passem a refletir sobre seus valores e hábitos de consumo, não sei. Mas que chama a atenção, isso chama. Nestes tempos de fotos muitíssimas vezes multiplicadas pelas redes sociais, seus grandes e coloridos animais viralizam mundo afora pelas telas dos smartphones e devem colocar uma pulguinha atrás da orelha dos mais sensíveis e empáticos. Quando vejo crianças meio que hipnotizadas por esses animais, já fico esperançosa.
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