
Uma vez por outra, o Fauna News publica artigos escritos por especialistas e por seus leitores. O site existe exatamente para isso: provocar o fim da inércia, motivar o diálogo e criar discussão. O biólogo Antonio Bordignon entrou em contato conosco com o desejo de relatar um pouco dos problemas envolvendo animais silvestres que presenciou, junto com os amigos e também biólogos Marco Sena e Jani Pereira, durante uma viagem entre São Paulo (SP) e Buritis (MG) em junho deste ano.
Foram cerca de 2.320 quilômetros (ida e volta), em que percorreu, dentre outras, as rodovias MG-190, MG-188 e MG-400. O relato de Bordignon vai ao encontro de muitos pontos de vista defendidos e comentados pelo Fauna News.
Boa leitura!
Estradas, um mal necessário que devasta nossa biodiversidade
Antes de iniciar o texto, permitam-me me apresentar. Me chamo Antonio Bordignon, tenho 34 anos, nasci e moro em São Paulo (SP), sou biólogo/herpetólogo e fotografo a vida selvagem desde 2000.
Que as estradas nos beneficiam de maneira significativa, não restam dúvidas. Mas e a nossa biodiversidade? Qual o real impacto que as estradas causam nos principais ecossistemas que elas cortam?
Segundo o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas, (CBEE/UFLA), cerca de 500 milhões de vertebrados morrem todos os anos nas estradas brasileiras. Estes números representam um massacre que reflete drasticamente nas populações das áreas mais afetadas.
Em uma recente viagem até Buritis (MG), na companhia de um casal de amigos e também biólogos, pudemos conferir o descaso com nossa fauna em áreas de grande importância para conservação das espécies. Ao cruzar grandes fisionomias do bioma Cerrado, o impacto das rodovias sobre a fauna deixa evidente o descaso político em relação a esta questão de urgência e extrema importância. Durante muitos quilômetros, observei que, apesar de relativamente bem conservadas as paisagens, as estradas interferem de maneira relevante no deslocamento dos animais. O asfalto está em boas condições e existem sinalizações sobre a fauna. Será suficiente?
Em um trecho de aproximadamente 490 quilômetros, entre os municípios de Monte Carmelo e Buritis, foram contabilizados mais de 60 animais atropelados, de diferentes espécies. Ou seja, uma média de um animal a cada oito quilômetros. Vale lembrar que minha passagem foi rápida e esses atropelamentos devem atingir um número maior ao longo do ano.
Entre as espécies, estavam os tamanduás-bandeira (incluindo uma mãe e seu filhote), cachorros-do-mato, gambás, tatus, seriemas, serpentes, furões, ouriços e quatis.
Acredito que na época em que as rodovias mais antigas foram projetadas e construídas, a preocupação com a biodiversidade era ínfima ou praticamente zero. Provavelmente acreditaram que a sinalização seria o suficiente para evitar acidentes com os animais que, eventualmente, cruzassem as pistas. Grande erro! Investiram a maior parte dos recursos no asfalto, apenas, deixando de lado as importantes passagens subterrâneas para os animais cruzarem as estradas em segurança. E estas medidas não beneficiam apenas os animais, mas também os usuários das rodovias, evitando acidentes de trânsito.
Não seria o momento de nossas autoridades políticas demonstrarem interesse neste importante “detalhe” e revisarem os projetos, tanto das mais antigas quanto das novas rodovias?