Por Marcelo Calazans
Técnico em agropecuária, administrador de empresas e fotógrafo. Foi professor da disciplina Fotografia de Natureza pelo Senac (MS)
photoanimal@faunanews.com.br
Olá! Tudo bem? Dando sequência à série de artigos sobre cameras trap (parte I e parte II), hoje trago mais informações sobre o protocolo de instalação (finalizando o assunto) e alguns exemplos de uso desse equipamento tanto por ONGs relacionadas diretamente à conservação de espécies e à educação ambiental quanto por amadores que praticam a ciência cidadã na defesa do meio ambiente.
Vamos começar!
Encerrando o assunto “protocolos de instalação”.
Retirada das armadilhas
Após o período pré-estabelecido para coleta de dados pelas armadilhas (que pode variar de acordo com os objetivos de uso do equipamento, espécies a serem analisadas etc.), as armadilhas fotográficas devem ser recolhidas do seu ponto de fixação. Na ocasião da remoção, é bacana fazer uma série de anotações com dados como local de fixação (coordenadas geográficas), data e hora da remoção, entre outros. Qualquer avaria ou mau funcionamento do equipamento também deve ser registrado. O cartão de memória deve ser retirado somente na hora de transferir os dados para um computador. Todo o equipamento deve ser limpo, removendo poeira e qualquer outro tipo de sujeira. As pilhas ou baterias devem ser retiradas. Se o equipamento apresentar avaria ou mau funcionamento, deve ser separado e levado para conserto assim que possível.
Gestão de imagens
As imagens contidas no cartão de memória devem ser passadas para uma unidade de armazenamento externa (HD externo) ou salvas em um computador imediatamente após o equipamento ser recolhido. É legal nomear as pastas de arquivo das imagens com nomes ligados ao assunto capturado, como por exemplo “tatu-canastra” , “antas” ou “surucuá-de-barriga-vermelha”. Dados como coordenadas, data e hora também podem fazer parte dessa pasta, em um anexo feito em Word. Cópias de segurança desses arquivos (backups) devem ser armazenadas ou em HDs externos (ou qualquer outro tipo de mídia física) ou em serviços de armazenamento virtuais, na “nuvem”. Nesse momento é feita a análise das imagens e a separação das melhores. Todas essas medidas evitam perda de informações e imagens, o que seria um caos!
Recomendações gerais
– As armadilhas fotográficas devem ser transportadas com todo cuidado para evitar danos no equipamento. Existem mochilas, bolsas e cases para equipamentos fotográficos apropriados para isso. Não economize em segurança!
– Atenção redobrada a qualquer elemento que possa atrair ou afastar espécies animais da área de captura de imagens da câmera trap, como restos de alimentos, fezes, urina, repelentes e outros. Esses fatores influenciam muito no resultado do trabalho.
– Em locais muito úmidos, é ideal fixar produtos dessecantes (saquinhos de sílica gel, por exemplo) dentro do equipamento para evitar danos.
– As cores que o led de iluminação frontal de alguns modelos de armadilhas fotográficas são diferentes quando a câmera está configurada corretamente e quando não está (o modelo da Bushnell Predator acende um led azul quando configurada corretamente e um lilás em caso contrário). Atenção a esse detalhe! Ler o manual de instruções do equipamento pode sanar essa e muitas outras dúvidas.
– Os cartões de memória não devem ter outra finalidade que não seja a de uso nessas armadilhas fotográficas. Usá-los em outras câmeras e celulares, nem pensar! Isso garante a durabilidade dos cartões e evita formatações acidentais, causando a perda de imagens.
– Revisar a área onde a camera trap está armada, procurando obstáculos na hora da captura de imagens, como vegetação rasteira, galhos com folhas que possam disparar o sensor e outros. Manter a área em volta do equipamento livre de vegetação, prevenindo de danos causados por incêndios.
– Lembre-se de testar o equipamento quando for reinstalá-lo. Verifique todas as configurações, como ponto focal, ativação de sensor e altura de instalação. Esses cuidados garantem o sucesso da captura de imagens.
Como já frisei nos primeiros artigos, esse tipo de equipamento tem sido usado em larga escala em projetos de pesquisa para a conservação de biomas e espécies. Foi difícil selecionar exemplos de uso e resultados, tanto por parte de ONG´S quanto por cidadãos comuns.
Mas como missão dada é missão cumprida, eis o resultado!
Segue reprodução, na íntegra, de texto publicado em setembro de 2017, no site do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas:
“Inspirados na capacidade das câmeras em revelar dados importantes para a Ciência, um grupo de pesquisadores decidiu organizar as informações resultantes de 170 pesquisas com mamíferos terrestres de médio a grande porte. O resultado: o maior inventário de mamíferos terrestres da Mata Atlântica com base em camera trap. O estudo foi publicado dia 31 de agosto por meio de um artigo na revista Ecology (Ecological Society of America), com a participação de 56 autores, entre eles, o pesquisador do IPÊ Fernando Lima, que liderou o levantamento.
‘Esse estudo é um compilado dos esforços de pesquisa de dezenas de profissionais que se dedicam à conservação desses mamíferos na Mata Atlântica. Não fazia sentido informações tão ricas e de tanta qualidade ficarem espalhadas. Em conjunto, elas podem representar informações mais robustas, que darão suporte a estratégias de conservação de diversas espécies’, afirma Fernando.
O trabalho é parte de uma grande iniciativa elaborada pelo Prof. Dr. Mauro Galetti (LABIC-Unesp) e Prof. Dr. Milton Ribeiro (LEEC-Unesp): o ATLANTIC-DATASETS. Esta iniciativa visa sistematizar e disponibilizar grandes bancos de dados sobre a biodiversidade na Floresta Atlântica para que possam ser utilizados pela comunidade acadêmica, políticas públicas e esforços conservacionistas.
Para o levantamento, foram utilizadas informações de armadilhas fotográficas espalhadas por 144 áreas, abrangendo seis tipos de vegetação de Mata Atlântica (Brasil e Argentina) e sobre a composição e riqueza das espécies. O conjunto de dados completo compreende 53.438 registros independentes de 83 espécies de mamíferos, e também inclui 10 espécies de marsupiais, 15 de roedores, 20 de carnívoros, 8 de ungulados e 6 de tatus. De acordo com o levantamento, apenas seis espécies ocorreram em mais de 50% das áreas: o cão doméstico (Canis familiar), o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), a irara (Eira barbara), o quati (Nasua nasua), o mão-pelada (Procyon cancrivorus) e o tatu-galinha (Dasypus novemcinctus). A informação contida neste conjunto de dados pode ser usada para entender padrões macroeconômicos de biodiversidade, comunidade e estrutura populacional, mas também para avaliar as consequências ecológicas da fragmentação, desfiguração e interações tróficas.”
Que bacana essa iniciativa! Além desse exemplo, dá para citar também o projeto Onçafari, que luta para conservar nossa onça-pintada e o magnífico lobo-guará0. Para saber mais sobre esses e outros projetos, acessem conteúdos do IPÊ e do Onçafari.
Mas esses equipamentos também são usados por pessoas comuns, aqueles que fazem disso a sua contribuição para a educação e a conservação ambiental. Conseguem registros inéditos de comportamentos e até mesmo de novas espécies para suas regiões, e esses dados alimentam pesquisas, projetos e alavancam os esforços para a proteção de nossa biodiversidade. Parabéns a todos os que praticam ciência-cidadã!
O exemplo que cito aqui é do meu amigo Jaime Luis Diehl, gaúcho e representante comercial. Ambientalista por convicção e coração, faz do uso de armadilhas fotográficas a sua contribuição para a defesa ambiental, com registros muito bacanas de espécies raras de serem avistadas. Ele faz isso desde 2011, registrando animais silvestres do Vale do Taquari, em especial os felinos desse local. Já colaborou com diversas pesquisas acadêmicas e até deu entrevista para a televisão japonesa! Ele administra uma página no Facebook chamada Gatos do Mato RS, em que posta seus registros e conta a história dessas espécies.
Diehl relata que começou a usar essa metodologia em 2011 com o objetivo de realizar uma amostragem da fauna do Vale do Taquari, onde reside. E como essa é uma região relativamente bem conservada, diz que eventualmente acaba encontrando espécies raras. E desses encontros, surgiu a curiosidade em fazer os registros fotográficos. O foco são os felinos silvestres, em especial as três espécies de gatos pequenos que ocorrem por lá: o gato-maracajá, o gato-do-mato-pequeno-do-sul e o gato-mourisco. A esperança de conseguir registros de espécies novas é um dos motivos que o leva a continuar com esse trabalho. Outro fator é o de querer conhecer o comportamento dos animais. Sempre se descobre algo nesses levantamentos. Quanto mais se conhece, o sucesso na conservação de uma espécie é maior. Frisando que todo o trabalho que ele realiza é voluntário!
Diehl relata que tem colaborado com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com registros publicados em Planos de Ação Nacional para a Conservação (PANs) de felinos brasileiros. Em 2018, participou de reportagens sobre o gato-maracajá na cidade de Teutônia (RS) para a emissora japonesa TBS. Tem colaborado com amostragem de fauna para o projeto de criação de uma unidade de conservação em Boqueirão do Leão (RS). Ainda em 2018, ajudou na etapa de uma pesquisa ampla com felinos no território gaúcho com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Escócia e da Bélgica. E ele ainda produz diversos tipos de materiais para educação ambiental! Esse meu camarada é fera!
No vídeo abaixo, captado por duas de suas armadilhas fotográficas, aparecem 2 indivíduos distintos, duas fêmeas melânicas de gato-do-mato-pequeno-do-sul (Leopardus guttulus). Mesmo sendo registros colhidos em pontos e datas diferentes, as cameras trap estavam numa mesma área, só que maior, de amostragem. São registros importantes para o Vale do Taquari, centro-leste do Rio Grande do Sul, pois, somados a outros dois que ele fez anos atrás, são os únicos dessa espécie, de indivíduos melânicos de todos os levantamentos faunísticos já feitos na região de 37 municípios. Que demais!!! São indivíduos portadores de excesso do pigmento melanina, que dá o tom negro em sua pelagem. Junto com seus parentes de pelagem tradicional, o Leopardus guttulus é uma espécie ameaçada de extinção em toda sua área de ocorrência. Quer saber mais sobre o trabalho do Jaime? Clica e descubra!
https://youtu.be/4Xofq22ZrtQ
Dois gatos-do-mato-pequeno-do-sul, melânicos. Registro importantíssimo para os trabalhos de conservação dessa espécie, ameaçada em toda sua área de ocorrência – Imagens: Jaime Luis Diehl
Espero que com esse material, a importância desse tipo de equipamento fique evidenciada.
Nos veremos mês que vem com mais informações sobre fotografia de natureza. Até lá!
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