
Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Uma das colocações mais frequentes que se faz sobre solturas de animais silvestres é a de que eles não sobrevivem. A ideia é que acabam vindo a óbito por sede ou fome, atropelamentos ou outras causas e que, portanto, a soltura seria uma ação que, na verdade, provocaria maior sofrimento para o animal.
A origem para esse posicionamento, independentemente do que já está publicado na literatura científica sobre solturas no Brasil e no mundo, vem de um documento técnico publicado originalmente em 2002 , o “IUCN Guidelines for the placement of confiscated animals”, preparado pelo grupo de especialistas “IUCN/SSC Re-introduction Specialist Group”.
Considerando a importância da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, sigla em inglês), entidade fundada em 1964 que, entre outras ações, é a criadora da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas (em inglês, IUCN Red List ou Red Data List), é preciso abordar a questão da soltura com cuidado e atenção.
Uma das saídas para o enfrentamento dessa questão é a adoção de “planos de contingência”, ação que é proposta pela própria IUCN em diversos protocolos, como “Diretrizes para Reintroduções e outras Translocações para Fins de Conservação – Tradução para o Português – Junho 2014 Versão 1.0”. Assim, a abordagem para a ação de solturas deve sempre considerar os riscos envolvidos, promovendo ações de mitigação ou outras que busquem aumentar o sucesso das solturas.
Em nossa experiência, a maior parte dos animais envolvidos com soltura é de Passeriformes. Então, vamos agora considerar quais seriam os tópicos a serem abordados em um plano de contingência para a soltura desse grupo de aves. Atualmente, a captura ilegal e a consequente venda ilegal são algumas das principais ameaças. Então, nosso plano tem que ter como ação número um o combate à captura ilegal. Porém, considerando que áreas de soltura e monitoramento de vida silvestre (ASM) não possuem poder de fiscalização ou de autuação, já que são atribuições da Polícia Militar Ambiental (PMA), por exemplo, a eficácia de tal ação tem que obrigatoriamente passar pela formação de parcerias – no caso com a PMA.
Esse é o exato posicionamento que temos buscado. O primeiro fruto desta “ajuda” vem da simples presença de agentes da PMA visitando a ASM, seja para uma vistoria seja para uma ação de fiscalização ou ainda para realização de imagens de divulgação. Um segundo passo vem do estreitamento das relações entre os agentes da PMA e a equipe da ASM, como, por exemplo, a possibilidade de oferecer informações sobre animais silvestres que ajudem o dia a dia dos policiais ou o oferecimento de cursos, palestras e outros tipos de treinamento, cuja demanda vem da própria ação da PMA na repressão ao tráfico e aos maus tratos a animais silvestres.
Um segundo ponto do nosso plano deve forçosamente envolver a comunidade do entorno. De nada adianta realizar solturas se há recaptura de animais por pessoas no entorno da ASM. Para atingirmos esta meta, entra em ação a famosa educação ambiental, que em nossa experiência tem muito mais sucesso quando sai do nicho da palestra de informação e passa para a promoção de ações de engajamento da comunidade. A comunidade do entorno vai se engajando quando percebe valor na ação de soltura. Um exemplo disso é quando uma pousada vizinha a ASM começa a perceber que seus comedouros vão ficando cheios de “passarinhos coloridinhos” e os hóspedes adoram e ficam tranquilos fotografando a cena. A soltura bem feita pode transformar uma comunidade, tanto do ponto de vista econômico como humano, pois a comunidade passa a adotar novos valores em relação à fauna silvestre.
Sabemos que o desafio é grande e sério. Por isso mesmo tem que ser enfrentado com determinação e inteligência, até porque nossa fauna merece!
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