“Arara-frango” e quebra do contrato animal

Desmond Morris, em seu livro O contrato animal, expõe como o Homo sapiens quebrou seu contrato com as demais espécies. Ele descreve como confinamos os animais domesticados, evitando que desfrutem de uma vida natural até que sejam predados. Uma zebra sofrerá a agonia de ser morta por um leão, mas até esse momento fatídico ela viveu como uma zebra. Ela correu, pulou, possivelmente se reproduziu, ou seja, foi livre e realmente viveu.

Na concepção do autor, a discussão, mesmo que não abarque a opção vegetariana ou vegana, não deveria se furtar de discutir a dominação – termo que, aliás, se remete a outro livro excelente.

Nós, humanos, deveríamos abdicar da dominação das demais espécies como é magistralmente apresentado no filme Instinto, estrelado por Anthony Hopkins.

De qualquer forma, retornando ao exposto por Desmond Morris, nós quebramos o contrato animal ao transformarmos galinhas em fábricas de ovos, vacas em fábricas de leite e porcos, por exemplo, em fábricas de bacon. No sistema de produção em confinamento, nenhuma das espécies de galinhas, vacas ou porcas desfrutam da possibilidade de desempenharem seu comportamento natural. O que importa é a produção e produtividade. O animal deve ser mantido vivo enquanto produz e deve receber o mínimo, inclusive de espaço, suficiente para sua sobrevivência. Sobreviver não é igual a viver.

A Europa está revendo este sistema. O ativismo da proteção animal tem, de forma recorrente, exposto a crueldade da criação em confinamento e normas já estão sendo alteradas. No Brasil, que mantém a triste história de retardatário na abolição da escravidão humana, parece seguir o mesmo caminho quanto à escravidão animal. Não apenas quebramos nosso contrato animal com galinhas, vacas e porcos, mas, também, com araras, papagaios e jiboias, dentre outros animais silvestres.

Criação comercial de fauna e maus-tratos  a animais

Em uma concepção errônea, a criação comercial de animais silvestres vende à população uma ideia de auxílio no combate ao tráfico de animais silvestres – não existem dados que amparem essa ilusão. A criação comercial visa o lucro, não a conservação – uma obviedade que às vezes precisa ser lembrada.

Na perseguição desse lucro, a criação de araras, papagaios e jiboias, por exemplo, segue os passos da granja de galinhas ou do confinamento de porcos. As matrizes reprodutoras são mantidas em viveiros, gaiolas ou caixas cada vez menores e suficientes apenas para a sobrevivência e produção de ovos e filhotes. Espaço é dinheiro e, enquanto os animais estiverem se reproduzindo em ambientes minúsculos, eles estarão cumprindo o propósito do empreendimento – não deixa de serem vidas escravizadas e produzindo para seus proprietários.

Mas não apenas o contrato com os animais foi quebrado. Entendo que o consumidor de fauna silvestre também não esteja plenamente informado da situação dos animais nos criadouros. Para isso, é preciso que nos perguntemos por que uma pessoa compra um animal silvestre em um criadouro comercial? Afastando-se o óbvio, que é o desejo de ter um animal silvestre, também podemos supor que ela não queira contribuir com o tráfico de animais e nem com o sofrimento dos animais que o tráfico provoca.

Quanto a não se envolver com o tráfico de animais, não existe garantia, pois diversos criadouros já foram flagrados com animais sem origem legal e, de qualquer forma, vários se empenham em receber animais apreendidos do tráfico de fauna silvestre para serem usados como matrizes. Isso ocorre mesmo quando já existem outros criadores da espécie. O comum é que busquem receber animais dos órgãos ambientais, afinal o objetivo do empreendimento é o lucro e, assim, as matrizes reprodutoras saem de graça.

Mas o mais flagrante se refere aos maus-tratos. Enquanto compra animais de criadouros comerciais para não contribuir com o sofrimento provocado pelo tráfico de animais silvestres, o comprador não faz ideia de como os pais do filhote que está adquirindo são tratados. Araras e papagaios mantidos a vida inteira em viveiros e gaiolas minúsculas sem conseguirem voar e jiboias espremidas em caixas nas quais não conseguem nem se esticar são exemplos de maus-tratos comuns em criadouros. Pode-se contrapor que nem todos são assim, mas o padrão encontrado, infelizmente, é esse.

Portanto, se você gosta de animais silvestres, lembre-se de que a melhor opção é entender que SILVESTRE NÃO É PET. Compre binóculos e não gaiolas. Mas, se ainda assim, quiser comprar os animais, tenha consciência de que, ainda que indiretamente, você poderá estar incentivando maus-tratos.

O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.

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