Por Rogério Bertani
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP). Especializado em aracnídeos, é pesquisador do Instituto Butantan
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Existem quase 50 mil espécies de aranhas em nosso planeta e pelo menos um décimo desse número pode ser encontrado no Brasil. Do total mundial, somente quatro gêneros têm espécies com potencial para provocar acidentes graves em seres humanos. Três desses gêneros ocorrem em território nacional, com um total de cerca de 30 espécies.
Portanto, a esmagadora maioria das espécies de aranhas são inofensivas aos seres humanos. É importante conhecer as espécies que podem provocar acidentes graves, suas características morfológicas, distribuição geográfica, hábitos e comportamentos.
As aranhas-armadeiras (gênero Phoneutria) são certamente as que provocam mais temor na população. São aranhas grandes, que podem chegar a 17 centímetros de comprimento com as pernas esticadas. A espécie mais estudada, Phoneutria nigriventer, vive no Sul e parte do Sudeste do Brasil. Elas apresentam coloração marrom com manchas claras no dorso do abdômen e duas faixas escuras divergentes na face. Possuem pequenas manchas brancas nas pernas, de onde saem espinhos negros. Os machos têm as pernas mais longas e finas e o abdômen menor do que as fêmeas.
O nome popular vem do comportamento defensivo característico que apresentam quando incomodadas. Elas levantam os dois pares de pernas anteriores e o corpo, que fica em posição vertical, apoiando-se nas quatro pernas traseiras. Abrem as quelíceras, que tem na extremidade os ferrões, por onde podem injetar um poderoso veneno, e se movimentam em direção a qualquer vibração que esteja próximo delas, mantendo-se na posição “armada”. Às vezes, elas se movimentam rapidamente para frente e para trás tentando picar.
Esse comportamento assustador é reforçado pelas cores vermelhas das quelíceras e o contraste entre o laranja, o preto e o branco do seu corpo e pernas, que são cores de advertência. Porém, na maioria das vezes, ao serem encontradas, elas preferem fugir. Somente quando encurraladas é que assumem esse comportamento, já que a fuga não é possível e só resta a elas enfrentarem a ameaça que estão sofrendo.
Essas aranhas não são as únicas que erguem as pernas anteriores quando incomodadas. Muitas outras têm esse comportamento. Porém, as armadeiras fazem isso quase tirando todo o corpo do solo e mantendo-o na posição vertical, o que as outras geralmente não fazem. São muito ágeis e podem subir mesmo em superfícies lisas, como azulejos e vidros, uma vez que possuem cerdas modificadas na ponta de cada uma das pernas funcionando como pequenas ventosas.
Existem oito espécies conhecidas de armadeiras e todas podem ser encontradas no Brasil. Estão associadas a áreas florestadas ou a matas ciliares ou de encostas quando em regiões de cerrado ou campo. Três espécies são amazônicas e cinco ocorrem em outras regiões, exceto em uma área que vai do estado de Sergipe em direção norte até o centro do Maranhão, onde nunca foram registradas.
As armadeiras vivem na vegetação, saindo à noite para caçar insetos. No período reprodutivo da Phoneutria nigriventer, que ocorre em abril e maio, elas costumam se movimentar mais durante a noite e acabam se aproximando ou entrando nas casas. Ao amanhecer, escondem-se em locais escuros. É comum que entrem em sapatos, o que acaba causando acidentes, pois a aranha não tem para onde fugir quando o sapato é calçado e acaba picando. Em locais de ocorrência da espécie, é importante ficar atento a esse comportamento, bater os sapatos antes de calçá-los, ter muito cuidado ao apanhar objetos e impedir que entrem por baixo de portas colocando rodinhos ou sacos com areia e telando as janelas. Ao mexer em plantas ou remover pilhas de telhas ou tijolos é recomendável usar luvas grossas e tomar muito cuidado, pois são locais normalmente utilizados como abrigos.
Ao encontrá-las, não entrar em pânico. Elas enxergam muito mal e provavelmente nem notaram a sua presença. Aranhas percebem muito bem vibrações e movimentações de ar. Portanto, se tiver que se aproximar, tente provocar o mínimo de vibrações ao andar e ao se movimentar próximo a elas, caso contrário perceberão a movimentação do ar.
O veneno das armadeiras é neurotóxico e os acidentes provocam dor muito forte e imediata. Existem casos registrados de óbitos, mas são muito raros. Caso aconteça um acidente, deve-se procurar o serviço médico o mais rápido possível, de preferência nas primeiras três horas após o ocorrido.
Existe muita pesquisa científica sobre venenos de aranhas. Compreender como esses venenos agem no organismo humano pode ajudar a entender como uma série de doenças ocorrem e a auxiliar nos tratamentos e no desenvolvimento de novos fármacos.
No caso da armadeira, os trabalhos em desenvolvimento indicam que o veneno dessa aranha pode ajudar a entender como tratar doenças do sistema nervoso, principalmente algumas que envolvem diretamente o cérebro. Outras pesquisas indicam que pode auxiliar no desenvolvimento de drogas para tratamento de disfunção erétil e da dor. O veneno que muitos animais produzem são uma enorme fonte de substâncias que podem ter aplicação na medicina, ajudando a salvar milhares de vidas ou aliviar o sofrimento.
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