Biólogo, mestre e doutorando em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), em Recife, e coordenador técnico do projeto de reabilitação, soltura e monitoramento de papagaios-verdadeiros intitulado de Projeto Papagaio da Caatinga
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Os centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras) são unidades de pronto atendimento de fauna que precisam estar preparados para atender todos os tipos de animais silvestres possíveis. Essa missão se torna um processo extremamente imprevisível já que é possível dar entrada centenas de animais de uma vez, como acontece com frequência com passeriformes (pássaros) ou filhotes de psitacídeos (papagaios e araras) apreendidos com traficantes ou até mesmo um gigante de 158 quilos e 1,28 metro de carapaça.
Os Cetras não podem escolher animais de quais espécies vai atender e, com isso, sua “rotina” sempre será algo baseada no que já aconteceu em outros momentos. Porém, as situações atípicas sempre vão fazer parte dessa “rotina”. Elas são um indicativo do que está acontecendo em nossa sociedade, geralmente tragédias já anunciadas devido ao descaso aos acontecimentos e às denúncias recebidas por órgãos e entidades ambientais, como vendas de aves em feiras livres de forma indiscriminada, e atividades degradadoras, como exploração imobiliária, transformação de hábitats da fauna para implantação de empreendimentos e atividades exploratórias sem a devida regulamentação e fiscalização.
Tartaruga-verde
Vou contar um pouco da história de uma tartaruga-verde (Chelonia mydas) de 158 quilos e 1,28 metro de carapaça, com mais de 40 anos, que teve sua história interrompida por uma dessas atividades exploratórias sem a devida regulamentação e fiscalização. Esse animal encalhou no litoral norte de Pernambuco em 30 de dezembro do ano passado e chegou ao Cetras Tangara, em Recife, já de noite. Foi a maior tartaruga já recepcionada pelo centro até hoje.
A tartaruga teve sua pata esquerda decepada, provavelmente por ter se emalhado em rede de pesca espera. Geralmente, para não ter que rasgar a rede, pescadores acabam por mutilar esses animais, que são deixados no mar para sua própria sorte. Eles acabam encalhando por causa do ferimento não cicatrizado, momento em que se inicia a luta para conseguir salvá-los.
Essa tartaruga recebeu atendimentos de emergência no Cetras até ser encaminhada para um centro de recuperação de animais marinhos (Cram) especializado em tartarugas-marinhas, o Ecoassociados, que possui sede em Porto de Galinhas, no litoral sul de Pernambuco, e trabalha na proteção de tartarugas há mais de 20 anos.
No Cram, o animal passou por exames, cirurgia para retirada do coto que restou da mutilação e cuidados por 13 dias, quando, infelizmente, sua história neste mundo se encerrou. Ficou o questionamento para todos que se envolveram ou souberam do caso: temos esse direito de retirar ou até mesmo interferir no legado de vida que esse animal? Um simples e maldoso ato finalizou a história dessa gigante guerreira que lutou por sua vida até o último momento.
Só neste mês de janeiro de 2023, já foram recebidas e tratadas quatro tartarugas-marinhas – o que não é comum para o período. Fica também a reflexão sobre a “rotina” nos centros de atendimento de fauna silvestre e o quanto eles estão sujeitos a demandas momentâneas por questões climáticas ou reprodutivas, além de problemas antrópicos (causados pelo homem), que, sem remediações efetivas para evita-los, estão se tornando crônicos e realmente uma rotina sem aspas.
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