Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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A experiência de beber um suco de cambuci – fruta que por sua importância batizou um bairro paulistano, mas que já não se vê em São Paulo – foi tão agradável que acabei indo atrás de mudas da árvore e as plantei na propriedade rural da família no sul de Minas.
Essa experiência sensorial pela qual passei se deu há uns quatro anos, quando fui cobrir uma oficina reunindo proprietários rurais que transformaram parte de suas propriedades em uma RPPN (sigla para Reserva Particular do Patrimônio Natural), engenheiros e policiais ambientais, representantes de ONGs e da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. O evento foi organizado para discutir estratégias de proteção a essas reservas de ameaças como caça, incêndios florestais, desmatamento e invasão de espécies exóticas ou domésticas, entre outros temas, como sucessão e saneamento.
A oficina ocorreu no Parque das Neblinas, reserva da Suzano, no distrito de Taiaçupeba, em Mogi das Cruzes (SP), área de mata atlântica. A organização ficou ao encargo do Instituto Ecofuturo, OSCIP mantida pela Suzano, que gerencia há mais de 20 anos o parque.
O Parque das Neblinas ocupa uma área de antigas fazendas da Suzano, adquiridas na década de 1960 e que se dedicavam à produção de eucalipto. Em 1988, a empresa de celulose começou a buscar alternativas para o manejo da área, interessada em produzir com o menor impacto possível. “A empresa entendeu que a área onde fica o Parque das Neblinas era sensível, por ser riquíssima em água e por ser vizinha do Parque Estadual da Serra do Mar”, conta a bióloga Michele Martins, analista de Sustentabilidade do Ecofuturo, dizendo que a Suzano então reservou algumas áreas para a conservação da mata nativa natural.
“A Suzano identificou que esta área tinha vocação para ser uma vitrine de tecnologias socioambientais “, completa Michele, informando que a área inicial do parque, inaugurado para o público em 2004, era de 1.600 hectares e que hoje soma sete mil hectares. No local, já foram identificadas mais de 1.600 espécies de fauna e flora, além de ter abrigado mais de sessenta estudos científicos.
A expertise acumulada pelo Ecofuturo ao longo dos mais de 20 anos de gestão do Parque das Neblinas possibilitou a criação do programa que realiza a oficina mencionada no início deste artigo, em que é prestada uma assessoria técnica voltada a proprietários de áreas naturais e unidades de conservação ou com interesse em adquirir terras para a proteção ambiental e manejo sustentável.
Esse é um dos programas realizados no Parque. Para prevenir e resolver com maior sucesso a maioria dos problemas de conservação de áreas, privadas ou não, programas de educação socioambiental são uma boa ferramenta, aposta o Ecofuturo. “É fundamental conhecer e se relacionar com todos os vizinhos e sensibilizar a comunidade, especialmente as crianças, para criar entre eles um vínculo de afeto com a área”, recomendou, na conversa que teve comigo após a oficina, o diretor da entidade, Paulo Groke.
Seguindo essa linha, a equipe do Ecofuturo desenvolve programas de educação ambiental envolvendo diversos públicos, como equipe interna, a comunidade local, os “rppnistas”, crianças e público em geral, sendo que os interessados podem agendar visitas para fazer trilhas ou canoagem no rio Itatinga, que corta o parque, além de outras experiências sensoriais na mata. Cinquenta mil pessoas já visitaram o parque, que, em função da pandemia, está recebendo somente 20 pessoas por dia.
Conhecimento e troca de experiências
“O relacionamento com a comunidade é transversal no parque”, diz Michele, ela própria natural da região. Nascida em Mogi das Cruzes, mora em Taiaçupeba há 12 anos, depois de começar a trabalhar como monitora ambiental no parque, onde mais tarde passou a cuidar de um dos programas. Segundo ela, toda a equipe é da região e o objetivo é uma troca de experiências: os funcionários têm oportunidade de crescer pessoal e profissionalmente, ter contato com pesquisadores científicos, e o parque, por sua vez, aproveita o seu conhecimento da natureza.
“Muitos dos que hoje aqui trabalham já foram mateiros, caçadores, faziam a extração do eucalipto e do palmito… Tínhamos a oportunidade de mudar esse comportamento e, por outro lado, de valorizar o seu conhecimento do local”, diz a bióloga, explicando que um dos objetivos do Ecofuturo é fazer com que o parque ajude a desenvolver a comunidade local com atividades sustentáveis. “Por isso, os monitores são formados na área e são moradores do distrito; conhecem muito bem a região”, completa.
“Todo o conhecimento gerado no parque é feito de forma muito colaborativa e oferece oportunidade de crescimento. Aprendi a ser bióloga com essa equipe. Eles têm um conhecimento da floresta diverso do acadêmico, pela vivência”, diz Michele, contando que a equipe acompanha e é de grande valia para ajudar os pesquisadores a encontrar na mata um animal ou planta específica, por exemplo.
Os dez monitores ambientais, os oito guarda-parques (que atuam em dois turnos), os dois funcionários que atuam na manutenção e no manejo florestal e os três do setor administrativo “são hoje porta-vozes do ambiente na comunidade. É uma mudança de visão muito bonita”, nas palavras de Michele.
Muitos dos programas de pesquisa são desenvolvidos em parceria com universidades, como a Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, a Esalq/USP, sendo que o conhecimento gerado pode se tornar público por meio de publicações.
Ao longo dos anos, com os cuidados com a mata e a contratação de atores locais, foi percebida uma diminuição da extração do palmito e da caça. Mas Michele alerta para uma outra ameaça: a especulação imobiliária. “Estamos observando, nos arredores do parque, a supressão de floresta para construir casas, o que é bastante grave e está acelerado, mas não temos controle sobre isso”, lamenta.
Nas escolas
Falando agora das crianças, são desenvolvidos no Parque das Neblinas programas como o Meu Ambiente, iniciado em 2010 com alunos de escolas públicas de Mogi das Cruzes e que hoje inclui colégios de Bertioga e de Suzano, já tendo atingido (até 2019) seis mil estudantes de 90 escolas.
“Com o tempo, fomos adequando o programa – que é desenvolvido a várias mãos, já que muitas ideias vêm do professor – para tentar aproveitar o melhor dessa oportunidade. Hoje também há uma metodologia para formar educadores e desenvolver seu currículo, incluindo a natureza como protagonista. Os educadores aprendem a olhar para o seu ambiente, valorizá-lo, inclui-lo no processo de ensino”, conta Michele.
Dividido em cinco fases, o Meu Ambiente começa com a vivência de contato com a natureza por parte do educador, para promover o encantamento e a sensibilização, e para que esse profissional reflita sobre o seu potencial. Depois dessa experiência no parque, os professores voltam à escola e costumam desenvolver atividades e estímulos com os alunos para despertar neles o interesse pela natureza (fase 2) . Na fase 3, ocorre a visita dos estudantes ao parque, considerada por Michele “o ápice do projeto”, já que as crianças saem de lá motivadas para desenvolver novos projetos na escola (fase 4). Finalmente a fase 5 diz respeito ao encontro de fechamento do programa com os educadores, que acabam levando, mais tarde, aquele conteúdo com ele para outras turmas, outros estudantes.
“O contato com a natureza proporciona às crianças fazer escolhas sustentáveis para a sua vida”, afirma, orgulhosa, a bióloga, para quem a criança já tem uma relação legal com a natureza. “Depois de adultos, acabam perdendo isso, o que é uma pena”.
O programa com as escolas gera uma publicação chamada Nosso Ambiente. Em 2020, em função da pandemia do novo coronavírus, ela precisou ser reestruturada para um conteúdo virtual. Na falta de encontros presenciais, foi desenvolvido um e-book com as atividades para “levar mais natureza às famílias, não apenas para os alunos”. “Foi desafiador, mas acabou dando excelentes resultados”, reconhece Michele.
Sensibilização e encantamento
Outro programa procura reforçar a sensibilização ambiental, oferecendo uma oportunidade para que as pessoas se encantem com a beleza da natureza. “A mata nos dá presentinhos, como uma flor, um bicho colorido… Primeiro a pessoa se encanta, depois aprende”, afirma Michele.
Os visitantes – como eu, naquele dia da cobertura da oficina – podem experimentar bebidas e pratos que levam ingredientes colhidos na mata, como o cambuci e a palmeira juçara, da qual se aproveita a polpa do fruto, em uma valorização do ambiente por meio da gastronomia. “Por meio do sabor, conseguimos falar de várias questões”, diz a bióloga.
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