
Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. Mestre e doutorando em Sustentabilidade pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Sempre que tratarmos do tema animais silvestres, a principal discussão se dá no campo do tráfico, ou seja, do comércio ilegal da fauna e as consequências dessa atividade para a biodiversidade. Vale destacar que esses animais são ainda legalmente chamados de “coisa”, mesmo já evoluídas as discussões sobre senciência animal e Direitos dos Animais. A pergunta para reflexão que faço este mês é se já não é hora de voltarmos nosso olhar sobre essa atividade ilegal para além das questões econômica e da biodiversidade, mas também pensar em cada animal subjugado à condição de cativeiro e como devemos ver essa situação no campo social.
Sabemos que o Brasil é um dos países considerados megadiversos, ou seja, possui uma rica fauna e flora, e nossa relação direta com animais, e aqui incluído os silvestres, remonta à época da chegada dos europeus, ou até mesmo antes, com a dominação de humanos sobre os animais não-humanos sempre presente – fato que até hoje nos permite manter animais considerados silvestres como domésticos, bastando que ele seja adquirido em um criadouro autorizado.
Essa questão “técnica” sobre a origem do animal ser o único divisor entre a legalidade ou o crime confunde muito nossa sociedade, permitindo imaginar que de fato a única diferença entre um animal legalizado e um do tráfico é o preço de impostos. Esse pensamento esconde toda a real diferença da origem do animal como o fator preponderante, mesmo sabendo que o legalizado, em algum momento de sua árvore genealógica, sofreu com a captura em vida livre de um de seus antecessores, discussão que podemos abordar em um próximo mês.
A grande questão é que se um animal é retirado da natureza e incorporado a um cativeiro, e dessa forma impedido de usufruir de sua liberdade e de suas funções habituais, não estaria diretamente submetido a maus-tratos? Teria como dissociar uma conduta da outra? E eu digo que sim, infelizmente, e apresento aqui o porquê.
Sempre reforço que vivemos em um mundo com um forte ideário antropocêntrico, em que as normas e os costumes têm o ser humano como beneficiário dos recursos naturais. O forte caráter utilitário dado à biodiversidade faz com que o bem-estar animal ainda engatinhe para ser entendido em sua caráter mais amplo; basicamente dando algum grau de proteção associado ao causar mal-estar (repulsa) aos humanos. Ou seja, uma pessoa pode não ver problema nenhum em privar uma ave de voar, mas não suportaria ver um cão ou um gato receber um castigo físico, fato que também considero condenável, mas superficial perante a ideia de garantir o bem-estar dos animais em plenitude.
Talvez a diferenciação dos tipos penais e administrativos existente do manter silvestres em cativeiro e dos maus-tratos (são artigos distintos na Lei de Crimes Ambientais) tenha implicitamente ajudado essa confusão, em que as ações causadoras de danos físicos são condenáveis, mas a tortura pela privação de movimentos e da realização de atividades habituais das espécies silvestres podem, não só serem suportadas, mas também incentivadas por alguns que se consideram protetores de animais.
Dessa forma fica meu alerta, minha preocupação e minhas dúvidas para nos questionarmos… Será que já não está na hora de repensarmos a forma como nos relacionarmos com os silvestres? Será que animais legalizados de fato já nascem com as privações de alguns direitos e que isso é normal? Podemos e devemos escolher o que aos nossos olhos são os maus-tratos?
Mais uma vez, obrigado pela atenção e pela possibilidade de sempre poder repensar conceitos!
– Leia outros artigos da coluna NA LINHA DE FRENTE
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).