Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. Mestre e doutorando em Sustentabilidade pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Uma das maiores discussões sobre estratégias para a conservação da fauna silvestre é como deve ser essa relação humano-fauna. De proximidade, o que facilitaria um sentimento de pertencimento e afeição, ou de afastamento, deixando a fauna silvestre afastada da sensação de posse humana, favorecendo sua conservação? Bem, eu mesmo permeio hora de um lado, hora de outro, e gostaria, neste mês, de trazer um pouco dos prós e contras de cada uma das possibilidades.
Se pensarmos em fortalecer a proximidade da relação humano-fauna com o fomento ao contato, através do incentivo ao comércio legalizado, de matérias em mídia ou postagens em redes sociais, teremos um apelo à humanização de animais silvestres. Seria um processo similar ao ocorrido com os atuais domésticos (cães e gatos), que após anos de coabitação alcançaram forte proteção legal (em relação aos silvestres), políticas públicas de gestão, incluindo até mesmo a criação de hospitais veterinários, movimentos sociais de proteção, e discussões profundas sobre seus direitos em relação ao homem.
Por esse lado, seria uma boa alternativa para os silvestres caminharem nessa direção, certo? Bem, se as conquistas fossem rápidas, sim. O que infelizmente não é o caso. Em curto prazo, podemos ter com o fomento da criação doméstica de silvestres uma forte pressão sobre os animais de vida livre e uma intensificação do tráfico de animais, uma vez que a procura para ofertar silvestres como bichos de estimação tenderá a um crescimento que a biodiversidade pode não suportar – como suportou há milhares de anos com os cães e gatos, quando a abundância de animais era superior à capacidade humana de dominação.
Então devemos afastar os animais silvestres do convívio humano? Essa seria a melhor solução para a manutenção da biodiversidade? Por um lado, sim, sem dúvidas, pois a própria capacidade de carga dos ambientes e as relações ecológicas (predação, mutualismo, parasitismo) poderiam regrar a vida desses animais. Aos humanos caberia não se envolver e, dessa forma, teríamos a plenitude das relações naturais controlando a vida livre.
Por outro lado, trago dois problemas desse tipo de escolha. A primeira delas é o instinto humano em não se importar ou querer destruir tudo o que lhe é desconhecido, exatamente como um sistema de defesa inconsciente. Nos afastar demais dos silvestres pode fazer com que nos importemos cada vez menos com eles e levá-los inconscientemente a extinções, seja de forma direta, pela caça, ou indiretamente, destruindo seus habitat.
Outro problema que esse afastamento pode acarretar é não associar o poder de gerar impactos ambientais em larga escala que os humanos possuem aos danos à outras espécies, que vivem fora de nossa bolha artificial das cidades, como nos casos de micro plásticos nos oceanos, destruição de barreiras de coral por aumento da temperatura global, e a destruição de florestas nativas para substituição por culturas.
De fato, não sei se existe uma resposta correta nossa pergunta inicial. Talvez o correto seja realmente o “depende”. Mas como assim? Manter animais silvestres próximos é bom? Eu diria que sim, mas não como um doméstico, para incentivar o tráfico. Mas próximo o bastante para serem admirados, entendidos e terem seu valor intrínseco preservado, em vida livre para serem observados enquanto realizam suas funções habituais.
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