Veterinária, mestra em Epidemiologia, doutora em Patologia e com pós-doutorado pela San Diego Zoo Institute for Conservation Research (EUA). É professora de Medicina de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora colaboradora do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade
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As vacinas nunca estiveram tão em pauta quanto nos últimos tempos devido ao importante papel na prevenção e redução dos casos graves da Covid-19 durante a pandemia. Vacinas desempenham um importante papel na prevenção de enfermidades e já salvaram milhões de vidas. Há vacinas contra diversos microrganismos para humanos e para animais de companhia ou de produção, o que já não ocorre com tanta frequência nos animais selvagens.
De uma forma muito simples, as vacinas estimulam o organismo a produzir uma defesa contra o agente de determinada doença. Existem diversos tipos de vacinas que estão divididos em dois grandes grupos, a partir de microrganismos mortos ou vivos. As vacinas de microrganismos não vivos podem ser do tipo inativadas, recombinantes, de DNA ou toxóide. No geral, produzem uma imunidade limitada e passageira e necessitam de reforços. Nas vacinas de vírus ou bactérias atenuadas, o microrganismo continua vivo, mas não tem a capacidade de causar a doença na maioria dos casos. Essa imunidade costuma ser mais duradoura.
No caso dos animais selvagens, recomenda-se o uso de vacinas recombinantes em todos os casos que forem possíveis. Não devem ser usadas vacinas de vírus vivos modificados, a não ser que já tenha tido experiência prévia com a vacina e com a espécie que se pretende vacinar. Há um relato triste na história da vacinação de animais selvagens em que utilizou-se vacina de vírus vivo inativado contra cinomose em uma espécie criticamente ameaçada, o ferret-de-pé-preto (Mustela furo), e indivíduos acabaram desenvolvendo a doença e vindo a óbito.
Raramente há vacinas especificamente desenvolvidas para os animais selvagens. Essa questão se dá, principalmente, devido ao grande número de espécies e aos custos do desenvolvimento. Em alguns casos, vacinas preparadas para os humanos são utilizadas nesses animais, como a vacina contra a febre amarela, uma enfermidade que acomete primatas não humanos no Brasil. Um surto dessa doença que iniciou em 2016 causou mortes em populações de diversas espécies como os bugios (Alouatta sp.), sauás (Callicebus nigrifons) e, inclusive, em criticamente ameaçadas de extinção como o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) e o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus).
Estudos iniciais com a vacina utilizada em humanos, realizadas pelo Centro de Primatologia do Rio de Janeiro e pela Fiocruz, mostraram bons resultados em algumas espécies de primatas não humanos como os bugios (Alouatta sp.) e micos-leões (Leontopithecus sp.). Levando-se em conta esses trabalhos, micos-leões-dourados (Leontopithecus rosalia) de vida livre de fragmentos florestais próximos à Reserva Biológico de Poço das Antas, nos municípios de Silva Jardim e Casimiro de Abreu (RJ), foram vacinados contra essa enfermidade.
https://www.youtube.com/watch?v=MKqoZF_-trg
Vídeo da Associação-Mico-Leão-Dourado sobre a vacinação contra a febre amarela
No caso da Covid-19, uma empresa farmacêutica americana está desenvolvendo uma vacina especificamente para animais. Essa enfermidade já foi descrita acometendo algumas espécies de animais selvagens, como tigre (Panthera tigris), leão (Panthera leo), leopardo-das-neves (Panthera uncia), onça-parda (Puma concolor), lontra-indiana (Aonyx cinereus) e gorila (Gorilla gorila), entre outros, mantidos sob cuidados humanos. Orangotangos (Pongo abelii) e bonobos (Pan paniscus) do Zoológico de San Diego, nos EUA, foram os primeiros primatas não humanos a receberem a vacina experimental. Outras espécies de animais selvagens também estão sendo vacinadas para que haja proteção desses indivíduos e para tentar conter a disseminação da enfermidade em outras espécies, além dos humanos.
As enfermidades, associadas a perda e fragmentação de habitat, tráfico de fauna, atropelamentos, caça e demais impactos, causam diminuições consideráveis dessas populações da fauna. A existência de vacinas, especialmente para espécies ameaçadas, é mais uma ferramenta que pode ser útil na conservação das populações de animais selvagens.
Referências
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– Fioravanti, C. 2022. Vacinas de uso humano protege micos e bugios contra febre amarela. Pesquisa Fapesp, n. 312.
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– Strier, K, et al. 2019. Status of the Northern muriqui (Brachyteles hypoxanthus) in the time of yellow fever. Primates, 60: 21-28.
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