Por Cristina Rappa
Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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Há uns três anos, fui apresentada por uma amiga à bióloga Luiza Figueira, do OAMa, o Observatório de Aves da Mantiqueira. “Você tem que conhecer o trabalho deles, Cris, e, como escreve livros infantis, pode contribuir com as ações de educação ambiental que eles realizam junto às crianças”, disse-me a minha amiga, também Luiza, que é médica e observadora de aves.
Feitas as apresentações, Luiza, do OAMa, me conta o que a entidade faz e seus planos de produzir uma cartilha para explicar esse trabalho para crianças, material que seria distribuído em eventos e uma espécie de ferramenta adicional em suas atividades de educação ambiental com esse público. Público super importante, por ser o adulto tomador de decisões do amanhã e por influenciar hoje a família, em casa. A proposta, que logo me cativou, seria contribuir com uma revisão e um olhar de quem já escrevia para crianças na elaboração da cartilha, que seria batizada de Ornitologia pra Todo Dia – Descobrindo as aves.
A sementinha para a criação do OAMa nasceu em 2017, quando Luiza e Pedro Martins apresentaram a ideia na II Conferência Internacional de Observatórios de Aves que acontecia em Cape May, Estados Unidos. Luiza e Pedro, ambos biólogos com mestrado em ecologia, estavam na época trabalhando com pesquisa e monitoramento de aves no Oregon, EUA, para a ONG Klamath Bird Observatory. “Daí veio o desejo de trazer para o Brasil esse modelo de observatório de aves, como uma organização sem fins lucrativos, para promover pesquisa e conservação desses animais”, conta Luiza.
No ano seguinte, o casal de biólogos voltou ao Brasil e a eles se juntou a ornitóloga Raquel Justo para dar início ao projeto, que teve respaldo e mentoria de parceiros do Klamath Bird Observatory e apoio de patronos, como Ellen Campbell. Em 2019, o OAMa foi formalmente fundado, como uma organização independente e sem fins lucrativos, no município de Resende (RJ), onde a maioria das ações do grupo é realizada, apesar de a região central de sua atuação e estudo englobar toda a Serra da Mantiqueira e realizarem pesquisas, por meio de parcerias e projetos pontuais, em outras regiões do Brasil.
“Nossa missão é realizar estudos científicos criteriosos que nos ajudem a conhecer as necessidades, ameaças e limitações de comunidades e populações de aves”, afirma a bióloga, explicando que o objetivo do OAMa é promover ferramentas para a conservação ambiental baseadas em informação, sendo a principal delas o monitoramento de longo prazo.
Além disso, o time busca promover maior conexão entre Ciência e conservação e a forma pela qual faz isso é através da divulgação científica, realizada tanto pelas redes sociais como em projetos específicos de interação direta com a sociedade. Elabora e realiza também cursos técnicos na área de ornitologia, cursos e eventos relacionados à observação de aves e presta serviços de consultoria e levantamento de avifauna sob demanda.
Atualmente, o OAMa é tocado por uma equipe central de coordenação e execução formada por Luiza, Pedro e o também biólogo com mestrado em Ecologia, Affonso de Souza. Essa equipe conta com o apoio de colaboradores diversos para a realização de projetos e atividades específicas.
Anilhamento de aves e informações
O objetivo do monitoramento de longo prazo é coletar dados padronizados ao longo do tempo e, com eles, entender a relação entre as variações nas comunidades e populações de aves e, ainda, as variações ambientais e climáticas. O método de estudo empregado pelo OAMa nesse monitoramento é o anilhamento de aves (colocação em uma das patas da ave de um anel, chamado anilha, com informações que permitem identificar do animal) complementado por listas e censos de ponto fixo. “O anilhamento é uma técnica essencial para estudos de dinâmica populacional e movimentação das aves, em que precisamos identificar não só a espécie, mas cada indivíduo conhecido na população. Essas informações são indispensáveis se queremos nos informar sobre taxas de sobrevivência de uma população, por exemplo”, explica Luiza. Segundo ela, para saber se uma espécie está em perigo, é fundamental identificar se suas populações estão crescendo, diminuindo ou estáveis.
A identificação de cada indivíduo também permite aos especialistas aprender sobre a história natural da espécie, contribuindo com informações sobre a área de vida necessária para a sua manutenção, seu comportamento, fisiologia e fenologia. Ainda, com a técnica de anilhamento é possível avaliar também a condição corporal das aves, a presença de parasitos e a existência de doenças.
Porém, como se trata de uma técnica mais invasiva, já que é preciso capturar e manipular os animais, há controvérsias em torno do anilhamento das aves. “Muitas pessoas são contra por a considerarem maus tratos aos animais. No entanto, acreditamos que essas pessoas são contrárias por falta de informação sobre o que é, sua importância e os cuidados que são tomados com as aves durante sua prática”, diz Luiza, para quem o anilhamento é uma técnica essencial para a identificação de questões sobre a biologia, ecologia e fisiologia das aves. “Se não temos conhecimento sobre essas questões enquanto vemos as espécies desaparecendo, dificilmente conseguiremos identificar o que podemos fazer para reverter a perda de indivíduos e espécies.”
Falando com crianças e jovens
A educação foi a forma encontrada para esclarecer sobre a importância do anilhamento. “Acreditamos que quando as pessoas são bem informadas, elas possuem mais e melhores ferramentas para fazerem julgamentos e apoiarem ou condenarem ações e métodos de pesquisa como o anilhamento”, diz Luiza.
O OAMa usa a divulgação científica para esclarecer a população. Vale-se da comunicação por meio de postagens e lives em mídias sociais (Facebook e Instagram) e de projetos específicos e pontuais para esse fim. Nesse sentido, seu maior projeto nessa área é o “Dia de Campo: descobrindo as aves”, que tem como público-alvo crianças e adolescentes estudantes do ensino básico.
O Dia de Campo acontece em um local onde são realizados os anilhamentos das aves. Os visitantes são convidados a acompanhar a atividade de estudo enquanto um educador da equipe do OAMa conversa com eles sobre as espécies observadas, os cuidados necessários e o que se está aprendendo com cada ave anilhada. Além disso, é montada uma pequena exposição no local, com painéis informativos e mesas de atividades.
“Nosso objetivo com isso é atrair indiretamente também a atenção dos adultos, pais ou professores responsáveis, que acabam se envolvendo na atividade ao acompanharem as crianças ou ao verem o material que elas levam para casa”, diz Luiza.
Para a bióloga, as crianças são, em geral, o melhor público, além de menos difíceis de cativar do que os adolescentes, mas mesmo assim representam um desafio. “Pode ser bastante desafiador trabalhar com as crianças. Elas perdem o interesse sobre um assunto muito rapidamente, querem algo novo constantemente, fazem perguntas e comentários que mudam a rota da atividade sem previsão. É preciso ser flexível nessas atividades e deixar com que seu público guie um tanto o roteiro”, explica.
A metodologia empregada é experimental. “Buscamos ser o mais interativos, participativos e inclusivos possível”, diz, explicando que o Dia de Campo foi desenvolvido com base na visitação às estações de anilhamento que acontecem em observatórios de aves no exterior. “Em muitos observatórios de aves de diversas partes do mundo, o monitoramento já é normalmente aberto para que visitantes possam observar e conhecer o processo de estudo. Nós adaptamos essa ideia para uma atividade mais pontual e interativa com os visitantes”, conta.
Para a atividade, a equipe do OAMa desenvolveu materiais complementares de exposição e para distribuição, como a cartilha com a qual pude contribuir. A primeira edição dessa atividade, em 2019, teve apoio da ONG Silo – Arte e Latitude Rural e financiamento do Instituto Serrapilheira, além da participação de diversos colaboradores para a criação do material e execução da atividade.
Perguntada sobre a mensuração dos resultados, a bióloga diz que ainda não tiveram a oportunidade de realizar avaliações mais precisas do impacto dessas atividades nas comunidades e no quanto os participantes conseguem multiplicar as informações. “Tivemos, no entanto, relatos muito positivos, como pais que mandaram fotos das crianças fazendo desenhos e representações em casa relacionados às aves e ao que tinham assimilado da atividade”, conta.
A mensuração dos resultados vai ter que esperar mais, pois essas atividades presenciais envolvendo voluntários, estudantes e visitantes – como os cursos, os treinamentos e os Dias de Campo – estão suspensas desde março de 2020 em função da pandemia do novo coronavírus e ainda sem data certa para voltar. Uma pena!
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